domingo, 30 de novembro de 2008

Curtas


Só. Somente só sei o que em mim falta saber. Não temo a solidão, apenas não gosto que me tirem dela sem eu pedir ou que a ponham em mim seu eu querer. Só; projeto o futuro, idealizo o passado e amargo o presente. Acompanhado; projeto o passado, idealizo o presente e amargo o futuro.
As flores que a dias navegavam comigo se transformaram em cactos por não terem mais o meu coração para fertilizar o colchão onde estavam plantadas. Um dia, enquanto dormia, aproveitaram o balanço da cama-barco e se arrastaram até mim. Alojaram-se então no buraco vazio onde antes batia o músculo do amor. Lá estando transformaram-se em um novo músculo. Depois de um tempo, me olhando no espelho d’água de uma noite de lua cheia descobri que cactos também florescem.

Uma cerveja.
Sou feliz com o pouco muito que tenho, mais mesmo assim ainda procuro o muito pouco que não tenho. A! ser humano o ser menos humano que se tem.

Três cervejas.
Sozinho o diabo veio me falar. Disse doce, disse pra eu lhe amar. Neguei o diabo pensando em transar, aceitei a dor pensando pecar. A! oceano profundo que vem me chamar. Quem sabe um dia vem a aceitar. Se no oceano parar saibam que vim a ficar.

Cinco cervejas.
Sabendo que falo escuto que ouço. A magrela corre pelo quatro enquanto a gordinha cisma em dormir.

Seis cervejas
Bebo para não lembrar de esquecer que esqueço de amar você.

Não ligo que digo que falo, se falo falo alto se digo digo baixo.

Nada faz sentido e eu nem queria que fizesse.

Imagem de Henner, Jean Jacques

domingo, 23 de novembro de 2008

Curtas


Ando, ando, ando. Na minha cabeça não estão as pedras do chão, nem as formigas que carregam folhas enormes, nem as fachas que sinalizam onde devo atravessar. Na minha cabeça esta você. A falta de te ver aumenta o meu querer ti ter. Ti ter não para mim, não como minha. Ti ter por breves instantes, por breves suspiros, doces palavras, poucas canduras. Simplesmente ti ter. Saber que você só pensa em mim naquele momento e ter a certeza que eu só penso em você. Ser seu, ser meu, ser nosso. Mais apenas por alguns instantes. Antes que a monotonia venha sentar-se conosco na mesa do bar. Antes que as pregas do tempo retirem o assunto, não de nossas palavras; por que estas jamais serão vazias, mais de nossos olhares. Antes que eu te chame por apelidos carinhosos, antes que nos conheçamos por inteiro em cada detalhe. É antes disso que ti desejo. É antes disso que quero estar com você.

E depois? Você me pergunta. Depois não sei. Agora quero o segundo, quero a chuva que cai, não a poça que se forma, quero o calor que aquece, não os raios que iluminam, quero sangue, não soro, quero guerra, não paz. Quero você, não o futuro.

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Esses breves instantes se tornaram verdade. O futuro se mostra sempre próximos daqueles que amam.

Levantou-se e andou até o lado onde ela estava sentada. Partia no mesmo sentido de quem ia ao banheiro, ela em nada desconfiou. Estancou de repente e ao lado dela se ajoelhou. Do bolso direito retirou uma caixinha que abriu e mostrou a ela. Ela abriu e lá tinha não um anel mais um bilhete. Onde estava escrito:

-Te amo, não sei até quando. Casa comigo e te amarei até último instante em que te amar.

Viveram felizes para sempre...

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Passou. Você passou. Não te quero mais.

Foram as últimas palavras que ela disse. Depois levantou, pegou o coração dele que estava no prato e pediu ao garçon que embrulhasse pra viagem. Guardo na bolsa para comer mais tarde. Ele, já vazio, não reclamou. Encontraram-se como amantes, se despediram como amigos, se odiaram como inimigos.

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Queria escrever uma historia de amor que desse certo. Porém preso pela primazia inconstante dos fatos. Me perdoe a falta de credibilidade na vida mas entenda que até o fim será muito mais que só despedida. Ame-me a cada segundo como se fosse o último, pois assim viveremos minutos infinitos.


Imagem de Julien Dupré

domingo, 16 de novembro de 2008

Curtas


Palavras não se encaixam,
acho que elas deveriam ao menos tentar,
raras vezes meus ditos saem de tal forma
ação palavra.

Verbo verborragia,
outros se saem como desejaria eu me sair
cantam em versos,
estancam palavras com a mesma beleza que a Lua cessa raios solares.
,
Estou confessando aqui as fraquezas de meu espírito,
tolhido tal qual árvores que não mais se ocupam de dar frutos,
orgulho perdido
urge o tempo de perde-lhe também os galhos.

Começo...
ojeriza...
meio...

Saber algo do qual não lhe é necessário
ao
ultraje do sábio;
de mais avante
avança a sabedoria
do trabalhador
esse sabe apenas o que lhe é necessário, e
se aprende algo que não o é passa a selo pois assim o é desejado.
.
.
.

Imagem de autor desconhecido

domingo, 9 de novembro de 2008

Do Continente até a Ilha


A minha cama se transformará em um barco e meu baú desaparecerá, muitos dias se passaram desde então. Eu havia me livrado de todas as minhas magoas e tristezas, porém também do mundo. Esse rio que me tirou do meu quarto e me levou para esse mar incerto me obrigou a me virar sozinho por muito tempo. Sem qualquer idéia de futuro. Não sabia onde estava e nem onde queria chegar. Simplesmente naveguei. Sabia que tinha de navegar, assim sendo, levantei a ponta do meu colchão, na proa do meu barco, e arranquei a primeira madeira do estrado. Pensei por alguns segundos que isso faria meu barco naufragar, entretanto nada ocorreu. A madeira me deu uma farpa no dedo indicador, não doeu, queria que tivesse doido. Com a madeira em mãos a finquei no próprio colchão e ergui de lá meu mastro.
Tirei o lençol do colchão e prendendo-o pelas pontas fiz uma bandeira. Mas não era uma bandeira o que eu queria, eu não queria ser achado eu queria navegar. Então arrancando mais uma madeira do estrado, a segunda no caso, fiz de minha bandeira uma vela e com ela naveguei. Por dias e noites. A segunda madeira não me deu nenhuma farpa mais a ela eu pedi. Vendo o quanto a desejava ela me concedeu o pedido. Agora os meus dois dedos indicadores tinham uma farpa. Eram pequenas, por isso não incomodavam. Conforme os dias se passaram, não foram muitos, mas não saberia precisá-los, nasceu do dedo indicador direito um cravo e do dedo indicador esquerdo uma rosa. Eu não soube o que fazer com eles ate que eles mesmos me contassem. Pediram que os plantasse na próxima ilha a que eu fosse aportar. Lhes falei que não pretendia aportar em nenhuma ilha, mais na verdade eu simplesmente nunca havia imaginado a possibilidade de vir a encontrar uma. Eles me pediram então para que lhes plantasse na popa do navio. Peguei meus dois travesseiros que lá estavam e fiz de vazo para as flores, de forma a deixar ainda um espaço para que de noite pudesse me recostar.
Realmente as flores estavam certas, e eu logo aportei em uma ilha. Não imaginem que a ilha onde me encontro agora é a primeira que avistei, pois não é. Conheci piratas e baleias, sereias e princesas, até dragões juro ter visto. Vi você e me vi também. Muitos foram bons comigo, de outros não gosto nem de lembrar. Vi o nascimento do dia e da noite, vi homens morrerem e homens nascerem. Conheci José que me acompanhou em parte do caminho. As flores sempre estiveram comigo, mesmo que ás vezes as tivesse distante. Conheci Helena que me roubou o coração. Conheci Josefina que o devolveu. E assim os dias e as noites se sucederam. Minha vela alçada aos céus me levou a muitos lugares, mas foi esta ilha que eu escolhi para mim. E é daqui que conto minha historia. Da qual não vejo qualquer relevância, dela não vejo surgir nobreza nem grandes amores. Vejo muito mais simplicidade, pecado e nostalgia. Si querem saber não vejo razão para que alguém leia o que escrevo. Mais eu escrevo, talvez porque queira lembrar e temo esquecer, talvez porque queira voltar a navegar e temo me perder. Não sei o motivo nem sei se quero sabê-lo. Até lá escrevo e vocês lêem, por que se não lessem não teriam como saber que cá escrevo, e eu não saberia onde é que me perco.

Imagem de Emil Nolde

domingo, 2 de novembro de 2008

A Ilha


Por um prefacio as avessas...

Eu tinha um baú. Onde guardava todas as minhas magoas e tristezas. Era um baú grande e antigo. Todo de madeira, com as partes que ligavam as tabuas que o formavam de ferro fundido. Se assemelhava muito a esses baús de piratas que vemos nos filmes americanos. Não sei se o baú era assim por que tinha de sê-lo ou se o era pela imaginação de criança que eu tinha na época que o encontrei. Ficava no meio do meu quarto, e eu nunca havia me dado conta dele, até minha primeira grande tristeza. Não me lembro ao certo qual foi, lembro-me apenas que ele assim me apareceu, e eu já sabia para que servia. Lá fui guardando tudo que eu não queria dentro de mim. Fui guardando e deixando, ele sempre lá, no meio do quarto trancado com uma chave de ouro que eu levava em meu peito. Um dia jurei ter visto minha mãe tropeçar nele, ela disse que foi o tapete, mais eu acho que ela viu o baú, só não queria abri-lo.

Os anos foram passando e os objetos dentro do meu baú aumentando. Um dia tive outra grande magoa, corri pro meu baú, abri e lá coloquei-la. Porem o baú não queria mais fechar. Estava muito cheio e, não sei se vocês sabem, se não, saberão agora que magoas e tristezas não ocupam o mesmo lugar e nem podem ser prensadas, são duras como diamantes e ásperas como pedras. Primeiro pensei em quebrá-las, mais não tinha força. Decidi então que procuraria por uma das pequenas e a tiraria do baú levando a comigo. Comecei a esvaziar o baú, mas o reavivamento destas más lembranças me trouxe lagrimas nos olhos. Tentei guardá-las mais eram muitas e eu já não podia mais me conter. Chorei. Por dias e noites eu chorei.

Após muitos dias e muitas noites, eu em cima da minha cama, que havia se transformado em um barco, percebi que o baú já não estava mais lá. Nem o baú, nem minhas magoas, nem minhas tristezas. Tudo havia ido embora junto das minhas lagrimas. Entretanto minhas lagrimas levaram consigo muito mais do que isto. Levaram o mundo inteiro. Sentindo um tranco no meu barco-cama olhei para trás e vi uma ilha. Pequena e bonita. Muito simples e eu diria até meio simples demais. No meio da ilha encontrei cadernos e canetas nos quais escrevo essa história. Nos quais vocês lêem minhas palavras e interpretam meus signos. Assim surgiu a minha ilha. Mais ainda muito mais tenho para contar-lhes dela. Não que interessem a vocês saberem ou a mim contar. Mais algo, nesse infindo mar salgado nos une. Ainda não sei o que é, e não sei se um dia saberei. Mais até lá nada nos impede de continuar.


Imagem autor desconhecido