quarta-feira, 25 de junho de 2008

Curtas


A morte é algo sem eira nem beira, chega de repente sem avisar, passa por nos em um breve toque. Até quando a esperamos não queremos vê-la. A morte nunca é bem vinda.

Mas o que eu digo não é de todo verdade, Saramago já nos mostrava, a mortes que vem para o bem. Como queria poder odiá-la, mas não posso, o que posso é esperar e enquanto espero me perguntar o porque. O porque de tanto sofrer. Se a morte nos é necessária por que tanto nos padece, por que tanto nos entristece. Que venha a religião então, com seu consolo preso ao pedestal, ou pela palavra de outro homem. É só o que me resta.

Não. Preciso de mais. Mais que um paliativo, mais que um analgésico, preciso de respostas.

Entretanto quais são as verdadeiras perguntas?

Imagem de Andre Derain

domingo, 22 de junho de 2008

E é lá que me perco


"...e é lá que me perco..."

Pernas bambas, lábios retraídos. As mãos procuram paredes onde se agarrar, mas só encontra o ar. Os seios procuram mãos que queiram lhes pegar, mas a cintura esperta já substituiu o seu lugar. Os olhos se reviram, mas não acham imagens. A boca faz sons, mas não acha linguagem. Mente e corpo tão distantes. A vontade do corpo nesse instante supera a vontade da mente. O corpo não respeita mais nada, é puro prazer.

"...e é lá que me perco..."



Imagem de Georges Braque

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Memórias de uma Mente Assaz - Construção


Homem. Mulher. Os dois. Será possível que eu tenha em mim ambos o sexo? Olho-me no espelho e não reconheço homem nem mulher, entretanto reconheço a mim. Um homem me fala ao pé do ouvido, enquanto uma mulher ajeita-me a roupa. Estou pronto para entrar, pelo menos é o que pensam meus pais. Subo no meu monociclo e girando sobre minha cabeça cinco garrafas de vidro atravesso a cortina vermelha e recebo as gargalhadas do publico, não sei do que riem, será que por de baixo dessa maquiagem não percebem eles a minha tristeza? Enquanto pedalo em círculos lembro-me dos acontecimentos recentes, que tem transformado minha vida em um pesadelo concreto.

Imagem de Paul Gauguin

domingo, 15 de junho de 2008

Curtas


Loucura. Tem alguma coisa melhor que a consciência das nossas próprias loucuras. Quando as percebemos parecem que se vão como borboletas, com um destino que nos apraza, e quando não estamos olhando nos retornam e ao pousarem em nossos ombros nos tornam flor da genialidade. Ninfas que nada, quero borboletas que me levantem para que com elas alcance eu o sol, mas não como Icaro, não serão derretidas minhas rêveries, pois as borboletas, diferentemente da cera, não tem outra forma se não em vôo. Todavia não posso me esquecer da lagarta. Já seria ela borboleta em seu âmago? Não sei se borboleta já era, mas que não se parecia borboleta é certo. E a flor em botão, já seria ela flor em seu âmago? Novamente não sei, só sei que não parecia.
E eu animal, humano já sou?
Afinal não saberia dizer.

Imagem de William-Adolphe Bouguereau

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Curtas



Beleza pura e despida, beleza nua mesmo que vestida. Beleza profunda da razoabilidade de um olhar. Beleza escultural da particularidade de uma mão. Beleza refletida na textura dos contornos em suas dobras. Beleza agressiva do cadáver que repousa sob a flor. Beleza da tez branca de marcar ao toque. Beleza dos cabelos presos não pela força da faixa mais pela delicadeza da flor. Beleza labial de uma boca que jamais dirá uma só palavra. Beleza, gozo, prazer, estética.

Arte.

Imagem de Sir Lawrence Alma-Tadema (1836-1912)

domingo, 8 de junho de 2008

Homem na rua


Não há melhor Academia que a vida, e também, por mais incoerente que possa parecer, não há pior. Encontrando com um homem na rua, não sei seu nome, e não saberia definir seu rosto, se tentasse, me limitaria a dizer que era sujo. Ele me disse palavras sabias das quais mal pude escutar. O abacaxi se não fosse gelado seria como água e o cachorro quente se não fosse quente seria como mato. Logo depois o mandaram pastar. Não sei se tem algum sentido, entretanto com certeza tem um significado, mesmo que esguio. O que faz sentido não são as palavras mais sim os significado que fazemos delas. O que são palavras de um idioma desconhecido, não deixam de ser palavras, isto é indubitável, porém não fazem sentido algum se delas não tiramos significados. Fico me perguntando, que significados tinham as palavras daquele homem. Será que aquele homem morrerá hoje? Será que alguém irá compreender algo do que ele disse? Será que eu morrerei hoje? Será que alguém compreenderá algo que eu disse?

Poeira dos tempos dentro de minhas narinas. Minhas excreções comportam o tempo que já vivi. O amarelamento dos meus dentes denunciam a idade da minha vinda, e prenuncia a idade a minha ida, mas jamais pronunciarão a idade da minha volta. Excreções de um amor não correspondido saem virulentas como vermes do meu corpo. A beleza da vida esta na flor que sobrepõem nossas covas. A escuridão de sentimentos nunca escurecerão a beleza dos mesmos sentimentos vistos de um outro angulo. Fim e começo, começo e fim. Entendam que só o meio podemos perceber, o resto é pura suposição.

Oi, como vai?

Eu vou bem, e você?

A mais ou menos, sabe como é.

Não, não sei, mas acho que estou prestes a descobrir.

Profundidade. Profundeza. Ser humano.


Imagem de Hieronymus Bosch

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Sentimentos de Minha Condição


A! mais que ódio. Ódio de ser humano. Ódio de lidar com seres humanos. Não sei o que dizer. Estou aflito e, pior do que isso, tenho medo de ser naturalmente aflito. Amo não nego. Amam-me, entretanto isso independe da minha vontade. Não quero amar e nem ser amado. Amar implica em algum momento sofrer, pois só amando diria que gosto, assim sofrendo descubro que gosto mais do que deveria. Nenhuma pessoa jamais me pertenceu, por mais que se amarre aos meus braços serão apenas braços que terá. Porém como é bom ter alguém pra chamar de meu. Mas não posso ter, pois tendo daria a brecha de me terem e eu não quero ser de ninguém, quero ser do mundo, mundo frio e solitário. Não queria que você me amasse, mas você me ama, não queria te amar e por isso não te amo, a! se isso fosse verdade, as coisas seriam bem mais simples. A verdade é que tenho medo, medo que por não te chamar de minha te perca para o mundo, tenho tanto a te oferecer e acho que você a mim o mesmo, talvez até mais. A! egoísta que sou, ser vil e vulgar, imagino os outros não sendo merecedores de seu perfume, de sua boca e de seu corpo, seria eu pretensioso o suficiente para achar que uma pessoa se basta em outra? Seria essa a definição do ciúme, a pessoa querer que a outra se baste nela?

A! o ciúme veneno maldito que em poucas doses nos põem no mais divino sonho de realização e que em altas doses nos remete as mais tristes formas de depressão. Maçã maldita e dentre as frutas a mais doce. A verdade é que não quero mais ver verdades, não preciso delas, elas não me bastam, me ferem. Minta para mim, diga-me que somos muitos e que você é só uma e é só minha, minta-me, invente-me, não me peças verdades, pois não as possuo, e mesmo que as possui se continuaria negando que as tenho. As verdades me empoem medo, nelas vejo-me por inteiro, enquanto que nas mentiras me fantasio de pierrô e minha mascara procura a columbina, quando não mais a quiser não preciso lhe dizer, apenas troco-me a mascara e ela própria perceberá que mudei.

Desculpe-me se lhe sorrio, mais lhe ver é uma das melhores sensações do mundo, e dela vou sorrir sempre. Todavia um dia se não mais lhe sorrir saiba que não foi você quem mudou, mais sim eu que me mascaro de outra forma. Beijar-lhe a boca, beijaria, fazer-lhe carinho, eu faria, amar-lhe o mais intensamente enquanto juntos, amaria. Talvez esse seja o meu erro, dar me por inteiro, talvez se me guardasse não me apaixonasse, não apaixonaria. Mas o que sou em partes, ou melhor, o que sou eu por inteiro? Se em algum momento fui por inteiro mostrem-me e lhes direis que aquilo não era eu senão confuso de mim mesmo.

Raiva, ódio, rancor e até quem sabe magoa, lindos sentimentos de minha condição humana, sentimentos que provam que eu, e também você, existimos. Um dia estava eu com outro eu quando lhe perguntei -Será que estou eu fadado a magoar e magoar-me?, e ele me respondeu que “eu ainda não magoei a metade das pessoas que ainda vou magoar”, a! dor suprema que se abate em meu peito, arranca-me o coração mas não me deixe assim viver. Estas foram as últimas palavras que o eu perguntante me falou, depois só silêncio. Tum tum, tum tum, maldito, por que não se calas, já não se apercebera que não falo mais contigo, não quero assunto, morreras pra mim. Maldito dia que larguei a estação, devia ter lá permanecido. Lá é o meu lugar.

Imagem de Balthus

domingo, 1 de junho de 2008

O silencio audível


31/09/07 – 24:04 ou 00:04

Será que me tornei um ser noturno, será possível a um homem tornar-se noturno? Demoro-me horas a pegar no sono, em principio pensei que fosse de outro hábito, que detesto, entretanto como hábito não consigo largar, que é o acordar demasiadamente tarde, contudo mesmo acordando cedo e só me pondo a dormir a noite não consigo por vezes adormecer. E o que mais me incomoda não é o fato de não conseguir dormir.

(Aqui abro um parênteses emergencial, por que temos que viver entre vizinhos, não ligo, de forma abrangente para convivência com pessoas, mas sim com vizinhos. O que me foi delegado pelo destino, por exemplo, deu-se agora a aderir a juventude saúde e fica até altas horas da noite a pular corda no estacionamento do prédio, o que de dia pouco me incomodaria, entretanto no mar de silencio que é a noite, o estalar que a corda faz ao entrar em atrito com o chão acontece de tal maneira, em um tal estrondo, que faz até a mais paciente das criaturas perder seu tino social. Fecho aqui o parênteses.)

Assim, voltemos. Não sendo o fato de não conseguir dormir, isto também me incomoda, mas não é o principal motivo. O principal motivo é o pulular de idéias que parecem esperar que recoste eu a cabeça no travesseiro para só então começarem a saltar, tal como crianças naquele brinquedo pula-pula em uma festa de aniversario sem adultos, logo, até racharem suas cabeças mutuamente.

Tenho idéias do que vou fazer amanhã e do que vou fazer pelo resto da minha vida, faço planos e o principal os realizo mentalmente...

(e a corda não para)

...porém não tenho a necessidade de sonhar, eu os vejo e principalmente eu os sinto...

(se ainda fossem continuas as porradas, porém sua falta de preparo o obriga a parar a cada mais ou menos vinte saltos)

...e o fato de os senti-los me desperta. Lembro-me de fatos que me aconteceram e de fatos que eu queria que tivessem acontecido. Pego de um copo de vinho.

(Acho que a corda cessou. Vinho santo.)

Um dia me perguntaram se eu era capaz de ouvir o silencio, de prontidão respondi que sim, grande erro, entretanto a pergunta não teve uma continuidade, uma grande pena. Tendo minha resposta em mente venho aqui reformulá-la, sem porém contrariá-la. Possuímos cinco sentidos, talvez mais, fiquemos aqui com os cinco, um deles é a audição. Captamos através dela os sons produzidos por objetos ou por nos mesmos. Não faço aqui um parênteses por medo que acorda volte, contudo peço ao leitor que o imagine, aqui fica a pergunta, porque a porcaria do equilíbrio se encontra no ouvido?, quando estavam montando o corpo humano esta devia ser uma daquelas peças que cismam em sobrar quando agente monta qualquer coisa e assim a puseram em qualquer orifício, pensando bem, que bom que foi nos ouvidos.

Voltando a nossa questão, a audição humana não é das melhores, sendo assim, deixa de captar muito dos sons captados por outros animais e mesmo outros aparelhos. Quando falarmos que escutamos algo é porque este nos chegou aos ouvidos, porém não é apenas assim que escutamos, já que quando nada escutamos ainda assim escutamos, mesmo que seja a ausência de som. A princípio parece incoerente, mas não é, utilizarei um exemplo muito simples, o de um surdo, este jamais saberia se um lugar está ou não em silencio visto que não escuta e quando digo isso falo de que este não possui qualquer experiência com o som. Portanto só podemos perceber o silêncio através de sua não audição o que não significa que não o escutamos e sim que escutamos a sua ausência, o que não deixa de ser uma forma de ouvir.

Para utilizar-me deste exemplo é necessário que o surdo não possua qualquer percepção do som, pois, da mesma forma que os outros quatros sentidos, quando deles já possuímos idéias formadas estas nos ocupam o espaço que foi deixado pela lacuna do sentido perdido, porém quando nunca a possuímos esta jamais poderá ser associada a algo sentido partindo de uma pura idealização imagética.

Acho que vou dormir, o vinho faz efeito, entretanto se não conseguir volto pra terminar o assunto.

Imagem de Xu Beihong