domingo, 31 de agosto de 2008

Curtas


Na Sala

A janela me chama. O suicídio me aguarda. Vou sair e não volto mais.

- Para de falar. Porque não se cala? Engula sua saliva e engasgue. Morra. Engasgue e morra.

Um bem pra mim, é um bem pra todos. Será que posso me agüentar com esse peso as costas? Se não posso com ele, iremos morrer, eu e ele. Eu e o peso. Assim a minha queda será mais rápida, e quem sabe menos dolorida.

A janela me chama, o vôo me apraz. Minhas idéias me consomem. Não sou o que ainda posso ser, e eu posso ser o que quiser, como eu detesto isso. Vácuo orgânico, espírito distante. A janela me chama.

Como é lindo o entardecer.


Imagem de Salvador Dali; Nude on the Plain of Rosas, 1942

domingo, 24 de agosto de 2008

Terceira Parte – O Amor


Ensaio da Morte do Amor

Ainda vivo fugi. E pelo deserto andei umas 10 horas sem nada achar. Até que o fatídico aconteceu. Com o fim da gasolina, com fome e sede, o carro parou e eu adormeci.

Seria esse o meu fim...

Terceira Parte – O Amor

Quando sai do carro me dei conta que havia apenas torcido o pé, não o havia quebrado como pensara antes. Mesmo assim andar ainda era difícil, e isto me obrigou a parar de andar alguns metros após ter começado minha fatídica caminhada, não muito longe de onde abandonei meu carro. Alguns metros mais adiante eu caí.

Quando acordei percebi que estava sonhando, sabia que era um sonho pelas aberração que o formava. Eu. Um fundo branco. E Dinora. Quem é Dinora, vocês devem estar se perguntando. Bem, ela foi a única pessoa que me amou e mais tarde eu viria a descobrir que foi a única pessoa que eu amei. Ela morreu a sete semanas atrás. Fiquei sabendo através do jornal que lia em uma segunda-feira chuvosa, no dia do nosso aniversario do primeiro encontro. Coisa de casal apaixonado, só quem já esteve na mesma posição saberia explicar essa idéia de comemorar a primeira vez em que um casal sai junto. Memórias das roupas aos gestos, ela tinha tudo isso gravado na sua linda cabeça quando nos separamos. E isso já completava vinte anos. Não me perguntem porque me separei, já que foi uma iniciativa minha, pois nem eu sei ao certo. Eu queria ser livre. E achava que liberdade era não depender de ninguém e que ninguém dependesse de você. Mas isso nunca iria ocorrer.

Naquele sonho Dinora estava conforme eu a havia deixado, linda e com um sorriso que era só seu na face. Fumava um cigarro enquanto segurava um copo de vinho na mesma mão. A outra mão estava apoiada em uma cadeira que acabara de brotar ao seu lado naquele exato instante. Vestida com um comprido vestido vermelho e um sapato combinando. Não sei ao certo se combinava ou não, mas, como sempre eu lhe falava, tudo nela combinava. Ela largou da cadeira e começou a se aproximar de mim. Rebolava enquanto andava na minha direção, parecia que a qualquer momento poderia quebrar em dois, de tanto que rebolava. Não pude esconder minha excitação. Ela notando sorriu, eu notando que ela notara me envergonhei. Não por me reprimir, mas por não conseguir esconder o quanto ela ainda me dava prazer. De repente a cadeira que estava um pouco mais atrás dela desapareceu, e no mesmo instante em minha mão apareceu uma outra taça de vinho. Ela já bem próxima com sua mão esquerda me rodeou o braço, para que entrelaçados bebêssemos juntos. Bebi. Poucos segundos depois o chão, que não podíamos ver, apesar de senti-lo, desapareceu sobre meus pés. Eu e ela caímos. Tentei me agarrar a alguma coisa mais não havia nada. Olhando para Dinora e vendo o seu desespero e suas lagrimas, iguais as do dia em que nos separamos, tentei desesperadamente agarrá-la. Entretanto quanto mais me esforçava mais ela se afastava. Ela caia, no que eu supunha ser para baixo; a única direção possível para a queda, bem a minha frente, quando as suas costas eu vi o chão de paralelepípedos de uma rua. Uma rua qualquer, indiferente a sua existência familiar ou não, mas de uma existência capaz de nos machucar. A rua parecia engoli-la e eu nada pude fazer, apenas chorei. Dinora estava estatelada no chão da rua, eu ao seu lado chorava. Viu o que você fez, ouvi de uma voz.

Eu reconhecia aquela voz, todavia não sabia aquém poderia pertencer. Levantei meus olhos do corpo de Dinora e reconheci Alberti, que não mudara nada desde que deixei a cidade. Ele era meu velho amigo de infância, ele era o irmão de Dinora. E bem ao seu lado ajoelhado no chão, no lado contrario ao do corpo mas na mesma posição que a minha, agora estava Jorge, pai de Dinora. Vestia o que por tantos anos o vi usar, o uniforme policial. Eles bem na minha frente me xingavam, eu bem na frente deles chorava. Até que um silencio, rompeu o som das palavras, apenas lhes restando os gestos labiais que não pararam, só o som que essas palavras emitiriam normalmente se calou. E deitada no chão, ao redor de uma poça de sangue, que mais parecia uma aura, Dinora falou. “Por que me abandonou?”.

Eu lhe respondi. Disse que era jovem; que achava que tendo novas aventuras poderia voltar novamente pra ela; disse que não queria me prender a ninguém; disse que a amava mais que não a queria, pois naquele instante querer-lhe era magoá-la, disse-lhe tantas palavras...mas delas nenhum som saiu. E ela novamente me perguntou. “Por que me abandonou?”. E finalmente palavras saíram da minha boca, e eu lhe disse. “Por que não sabia que te amava, e quando descobri não sabia até quando te amaria...”. Ouvindo o som de minhas palavras não pude continuar pois ela assim me destruiu. “Eu só a você verdadeiramente amei, me tranquei do mundo, me tranquei de mim, e assim por vinte anos vivi. Quando, depois de vinte anos voltei para o mundo, ainda te amando, por outro enfim me apaixonei. Tendo esses vinte anos perdido e finalmente compreendido que o amor por você foi uma ilusão, e que pior foi uma ilusão só minha, eu me matei. Pois não queria me iludir, os anos que passei te amando não poderiam ser em vão. Então preferia morrer te amando a descobrir que nunca te amei de verdade”. Nesse instante eu já não chorava mais. Eu havia finalmente percebido ela não me amou, ela amou a esperança de que eu voltasse a lhe amar. E eu, covarde que sou, fugi da minha cidade natal, deixando tudo pra trás porque não tive coragem de dizer-lhe que não lhe amava mais. Ela, também covarde, se matou por não querer ver que eu não lhe amava, quando percebeu que seu amor se baseava na esperança que tinha de ser amada, não por mim, mais por alguém, já era tarde de mais.

Os homens a minha frente, seu pai e seu irmão, foram envelhecendo. O tempo que passou, deduzo cerca de vinte anos, fora transformando-os no caminhoneiro e no policial que eu vira a pouco no deserto. E aos poucos, conforme os homens envelheciam, Dinora sumia, e o fundo que era branco novamente voltava a paisagem do deserto. Os homens se definiam cada vez melhor, até, finalmente se igualarem as figuras que anteriormente me perseguiram. Um virou pro outro e disse: “parece que finalmente ele esta acordando”, e o outro respondeu: “já não era sem tempo”. Eles se agacharam a minha frente e me contaram o porque de Dinora ter se matado. Eu um pouco tonto lhes disse o que Dinora havia me contado, e não a simples idéia que eles tinha de que ela se matou por me amar. Alberti me revelou que havia se tornado caminhoneiro e que após a morte da irmã soube por um amigo em comum que eu havia largado o emprego e que começara a beber. Assim após me encontrar foi me drogando paulatinamente, até que eu desesperado, enfim viesse atrás daquela que sempre me amou. Em busca de uma resposta para morte do amor.

Pare de pensar, retroceda, ignore o que viu, viva do que sentiu.

Eu que procurei o amor por toda a parte, sendo induzido a isso ou não, finalmente havia-o encontrado. Não na palavra de Dinora que me largara por uma caminhoneiro, este por sua vez que pagou um policial corrupto para me afastar dela e de minha filha, me levando até a fronteira e me deixando a mercê da própria sorte. Após é claro me drogar visivelmente. Minha lucidez finalmente voltara. Enquanto abria os olhos, não da visão, mais sim do entendimento; da razão, pude ver; melhor perceber, a presença de dois coiotes que esperavam calmamente o meu suspiro final, para que assim, sem esforço aproveitassem da minha carne. Eu, sozinho, contava exatamente a mesma historia que lhes conto agora para esses dois animais, muito mais humanos do que todos esses que até aqui me trouxeram. Corruptos, corruptíveis. Eu em minha solidão, não sei se pela impressão tão imensa do deserto, se pela insolação, ou a proximidade da morte, percebi que a forma mais pura do amor é o amor próprio. Pensando isso me vi, em pé, de frente, no meio dos dois coiotes. Pisquei. E me vi sentado, me olhando em pé. O eu sentado pendeu a cabeça em direção ao chão. Eu me virei e andei. Não sei para onde, nem por que. Porém, uma coisa eu sabia, que eu me amava. E pensando isso o deserto não se estreitou, o Sol não se amenizou, e a idéia de que eu poderia morrer não sumiu. Entretanto eu estava mais forte, sabia que podia contar sempre com alguém, que sempre estaria –lá. Eu.

Hora do remédio Adrian...As folhas continuam caindo...

Na medida do possível, Fim.


Imagem de Autor Desconhecido

domingo, 17 de agosto de 2008

Segunda Parte – Alguém Me Persegue


Ensaio da Morte do Amor


Nada podendo fazer e com o dia amanhecendo nas minhas costas, só pude pegar o carro e voltar para casa, sabia que após uma boa noite de sono poderia voltar a investigar a morte do amor.

Segunda Parte – Alguém Me Persegue

Não cheguei a entrar em casa, acabei adormecendo nas escadas que davam para o meu quarto de hotel, numero 2121. Quando acordei minha vizinha me olhava com uma cara indescritivelmente horrorosa, trazia na cabeça uma toca de bolinhas que quando mexiam faziam um barulho insuportável. Perguntou se estava tudo bem comigo, falou bem mais do que isso, mas só pude compreender isto. Acenei que sim com a cabeça e me levantei, meu cérebro parecia pesar duas toneladas. No que devo ter ido me arrastando cheguei a porta do meu quarto, e com muita dificuldade acertei a fechadura e foi ai que percebi que a porta se encontrava aberta. Quando entrei as minhas coisas estavam todas reviradas. Ouvi um barulho e saquei da minha arma. É eu tinha uma arma. Estava mais pra uma relíquia da segunda guerra mundial, mas era uma arma. Corri até a cozinha e quando cheguei vi o que deveria ser a linda Cristal, minha gata de estimação, totalmente queimada dentro do forno de microondas que ainda girava. É alguém não queria que eu procurasse mais nada naquela cidade, e isso já havia custado a vida da Cristal, e como não possuo mais ninguém o próximo com certeza seria eu.

Fui até a delegacia dar parte do ocorrido. Me atenderam rispidamente não sei se pelo meu corte de cabelo ou se pelo vomitado em minha camisa, conclusão, falaram-me que iriam averiguar o apartamento e procurar na região, mas que provavelmente foi obra de alguns adolescentes sem ter o que fazer. Pedi para usar o banheiro, que ficava entre o balcão e as escadas que subiam para os escritórios dos policiais, salas de armazenamentos e tudo mais. Percebi que os policiais me olhavam de forma inquieta, atrás da minha orelha começava a saltitar uma pequena pulga. Fingi que ia ao banheiro e quando eles se distraíram subi as escadas, grande erro. Com a roupa e a aparência que eu estava só consegui ser enxotado da delegacia, por um policial que mais parecia um soldado neo-nazista do século XXII, e de ter a certeza que eles não investigariam meu caso.

Fui até a esquina onde ficava um pé-sujo, e onde também os distintivos paravam para tomar umas e outras. Conhecia a dona do tal pé-sujo, Natasha, já tínhamos feito sexo algumas vezes, nada de mais. Eu como sempre fiquei até o bar fechar e ela também, como de hábito, me chamou para subir. Ela que morava encima do próprio bar. Tomei um banho e transamos, ela me contou, depois da terceira vez que eu a havia feito gozar, que os policiais andavam falando de um cara que estava atrapalhando os seu negócios. Entre a quarta e o banho, esse final, de despedida, ela também me contou que os tiras estavam por dentro das apostas entorno da morte ou não do amor. O esquema começava a se encaixar. Tanto os policiais quanto os bandidos estavam por dentro, e se eu quisesse uma pista real teria de sair da cidade. Depois do meu banho derradeiro, dei-lhe um beijo e vesti as roupas do falecido marido de minha grande amante. Grande porém não gorda, Natasha devia ter mais ou menos um e noventa e os ombros mais largos que um nadador, seu marido falecera faziam dez anos. Eu o conheci, era um bom homem, só que bons homens morrem cedo. Só tinha um defeito, como se vestia mal o filho da puta. Das dez camisas que lhe restaram ao armário dez eram floridas, e as bermudas mais lhe pareciam sacos de batatas entre as pernas finas. É, bom homem, mal gosto. Despedi-me e parti para o interior, quem sabe lá encontraria o que procurava.

Fui até a estação próxima, mas não consegui pegar o trem, parece que havia ocorrido uma chacina e a polícia fechou o local para averiguar a situação. Eu sabia o que estava acontecendo. Eles não queriam que eu me aproximasse da verdade, e eles sabiam que eu estava no caminho certo. Determinado, e com alguns trocados no bolso passei no armazém de um amigo e pedi-lhe a caminhonete, prometendo-lhe devolvê-la em breve. Como agradecimento de sua boa vontade lhe dei meus trocados. Nesse mundo de hoje nada se é recebido de graça, nem mais a graça divina é zero oitocentos, ela agora custa, e custa caro. E nessa onda de dá lá toma cá me fez dar há sua filha uma carona. Era uma menina de 25 anos, cujo nome eu não ousei perguntar e por isso só a chamava pelo sobre nome do pai, Label, cujo corpo diferia totalmente do pai, ela igual a mãe possuía um corpo simplesmente sensacional. Como bom amigo que sempre fui prometi levá-la e de cuidar muito bem dela, e assim o fiz. Depois de uns cem kilometros em mais ou menos uma hora parei o carro no acostamento e começamos a nos beijar. Ela sabia o que fazia, não era mais aquela menininha que eu virá crescer. Entretanto essa lembrança me fez ligar o carro e ir embora. E a lembrança daqueles peitos pra fora da camisa me fez parar cem metros adiante e novamente pôr lhes a boca enquanto ela gemia. Fizemos tudo o que tínhamos direito, e até algumas coisas das quais não tínhamos direito também. Demoramo-nos umas duas horas, e que depois voltamos a estrada. Dez minutos depois já voltávamos ao acostamento. Demoramos seis horas em um caminho que se faria em situações normais de experiência, com temperatura e umidade do ar ambientes ideais, em duas horas e meia.

Deixei-a na cidade a qual havia prometido. Tenho de confessar o meu alivio, não sabia o quanto ainda poderia agüentar aquele fogo todo que a juventude confere a seres tão inocentes. A cidade era uma antes a que eu pretendia chegar, logo estava perto, porem, como estava cansado e já anoitecia resolvi ficar nessa cidade e procurei uma estalagem. Pro meu azar Label trabalhava lá. Assim não preciso nem lhes revelar o quanto difícil foi minha noite. Por sorte havia levado comigo o meu santo protetor. O santo contra qualquer falta de fé em milagres o santo Viagra. Na manhã seguinte nada descansado peguei minhas coisas, que se reduziam a chave do carro e cai novamente na estrada.

Em pouco tempo notei que estava sendo perseguido por uma caminhonete que não me largava de jeito nenhum. Fui o mais tosco possível, parando no acostamento e ela seguindo enfrente, entretanto um pouco mais a frente lá estava ela, parada a minha espera. Eu acelerei o carro para tentar despistar a caminhonete pela velocidade, quando, achando ter conseguido me propus a diminuir a velocidade, bem na minha frente avisto uma blitz policial. Eles me avistaram. O policial da frente levantou a mão em sinal para que eu diminui-se, de prontidão obedeci. De repente sinto uma forte batida na traseira do carro. Era a caminhonete que a essa altura me jogara a metros de distancia para fora da estrada, no que aquela altura do caminho era no meio de um deserto, e aquela altura da minha vida me fudeu todo. Quando pelo retrovisor olhei a caminhonete vi que o motorista conversava aos risos com o policial que me acenara tentei ligar o carro. Entretanto havia eu quebrado a minha perna direita, não podendo acelerá-lo na hora da ignição. Desesperadamente, e com uma dor insuportável, na medida em que eu ainda podia suportá-la, agarrei minha perna e a encostei no banco, permitindo que eu pudesse acelerar com minha perna direita. Olhando pelo retrovisor via a lenta aproximação do policial e do caminhoneiro que percebendo que eu havia ligado o carro e começava a andar correram para os seus respectivos carros. Enquanto corriam atiravam contra meu vidro traseiro. Ainda vivo fugi. E pelo deserto andei umas 10 horas sem nada achar. Até que o fatídico aconteceu. Com o fim da gasolina, com fome e sede, o carro parou e eu adormeci.

Seria esse o meu fim...

Continua...

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domingo, 10 de agosto de 2008

Primeira Parte – O Amor Morreu


Ensaio da Morte do Amor

Primeira Parte – O Amor Morreu

O amor morreu. Ou será que enterraram outro no seu lugar? Talvez a paixão? Quem sabe a amizade? Até mesmo o ciúme pode ter sido vítima, afinal como é o amor? Sendo o amor ou não seu nome estava lá, naquela cripta, no meio do nada. Apenas velada por uma cruz e um coração entalhado em um pedaço de madeira. Mas você deve estar se perguntando como cheguei ate aqui, ou como soube da morte do amor e ate mesmo quem sou eu, para de maneira tão abrupta revelar a morte de alguém tão conhecido. Tudo começou sete semanas atrás.

O amor era um famoso procurado da policia, e também dos criminosos. Cedo ou tarde tinha mesmo que ir para debaixo de sete palmos de terra. Afinal diversas vezes mataram e morreram por amor, ele nunca nem se quer tentou se defender, nem por um instante, tão certo de si, como sempre foi, era o amor. Hoje foi colocado na lista dos desaparecidos. A policia, que nunca soube de seu paradeiro, continuou na mesma, já os criminosos especulavam quem poderia telo feito desaparecer. Don Giovanni era forte candidato, todos sabiam como os dois eram ligados, e também sabiam que tudo que o Don aprontava era apenas para mascarar seu verdadeiro sentimento, Don sentia ciúme das escapulidas que seu cônjuge lhe pregava. Dentre as mulheres Salomé era figurinha forte nas rodas de apostas, afinal seu temperamento agressivo era muito conhecido entre os rapazes, e para ela dar cabo do amor era apenas uma questão de dias em seu ciclo menstrual.

Eu, apostador compulsivo, estava em uma corrida de cavalos quando ouvi falar do desaparecimento do amor, mas estando acostumado ao meio falso em que atualmente vivia, e ainda vivo, o das apostas, decidi verificar. Não pense que me interesso por ser curioso ou por gostar do amor, já tivemos lá nossos contatos, mais ha muito que havia rompido com esse cara. Meu interesse era nas apostas, imagina se eu consigo uma informação dessas, ganharia uma nota fácil e rápida, e no final das contas para quem não estava a fazer nada, fazer alguma coisa até ajuda a passar o tempo.

Foi assim que comecei a procurá-lo. Fui primeiro nos lugares onde tinha certeza que ele havia passado, o que era o caso da rua das meninas que ficava na periferia do centro da cidade. Encontrei-me com a Maguinífica, porém ela parecia não querer me dizer muita coisa. Molhei a mão do cafetão que a segurava pelo braço direito, sujeitinho ranhoso, desses baixinhos que só porque carregam uma arma na cintura se acham como se tivessem mais de dois metros. A Maguinífica era um mulherão, do lado daquele cara parecia uma deusa de ébano, já tínhamos saído algumas vezes, mas pessoalmente prefiro a conquista do que o aluguel. O cara pegou o dinheiro da minha mão e contou na minha frente, cara de pau, depois me deu um sorriso falso e saiu. Foi ai que ela começou a falar. Disse-me que não sabia nada sobre o desaparecimento do Amor, que ele só ia lá de vez em quando, na maior parte do tempo que freqüentava aquela área era a Sacanagem, o Amor só ia lá de vez em quando. Eu lhe perguntei se a ultima vez que ela o virá estava sozinho. Me disse que estava acompanhado de um velho, esse sim freqüentava a área, chamado Johnny Walker. Ela me disse onde eu poderia encontrá-lo, agradecia e dei-lhe uma grana, depois fui-me embora.

O velho Johnny Walker, velho porem boa pinta, tive raras oportunidades de conversar com ele, mas assim que cheguei perto e comecei a falar ele não pareceu se importar em responder algumas perguntas minhas. Na verdade parecia bastante interessado no que eu sabia. Para o azar dele eu não sabia nada, porem ele não precisava saber que eu não sabia. Como bom jogador que sou flertei algumas respostas falsas para ver o que o velho poderia me dizer.

Depois de quase duas horas, e de secar todas as suas informações cheguei a duas conclusões, a primeira de que ele estava tão perdido quanto eu e a segunda de que não tinha dinheiro para pagar o garçom. Rapidamente, entretanto um pouco torto, levantei-me e disse que precisava ir ao banheiro, sabia que pelo basculante que ficava acima da privada da segunda porta do banheiro feminino poderia escapar facilmente, pois esta dava direto para o estacionamento, onde meu carro me aguardava. Como sei deste basculante? Ora, não vá me dizer que você nunca levou uma mulher para o banheiro feminino? Esta bem, eu também não, mas um dia saindo do bar, em um estado bem parecido com este que me encontro agora, parei neste mesmo basculante para observar umas bundas, mas tudo que pude ver foi o pau de um travesti que havia ido ao banheiro urinar.

Assim fui andando em direção ao banheiro, não em linha reta, mas em uma linha curva bem delimitada. Logo que me vi diante da pequena placa de uma boneca com saia, que a principio nada representa, entretanto, por convicção, nos ficou definido como sendo o símbolo universal feminino, significa: eu sei que você quer entrar, mas você sabe que não pode – nessa hora o maldito Johnny Walker me entregou. Eu senti uma reviravolta no estomago e não pude segurar o vomito, bem na hora que uma das meninas que ficam dançando no palco estava prestes a sair, por sorte não a acertei, mas a porrada que o Johnny me deu foi tão forte que assim que consegui me por de pé novamente estava cercado por dois seguranças, que mais pareciam dois armários de cinco portas, e, a base de supapos, me jogaram para fora do estabelecimento onde estava. Nada podendo fazer e com o dia amanhecendo nas minhas costas, só pude pegar o carro e voltar para casa, sabia que após uma boa noite de sono poderia voltar a investigar a morte do amor.

Continua...

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quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Memórias de uma Mente Assaz - Construção


Estou muito tempo nesta ilha, tempo demais até pro mais sóbrio dos monges budistas. Meu passatempo nunca foi escrever, entretanto foi o que esta ilha me reservou. De uns tempos pra cá tenho tido uma série de alucinações, um misto de noites mal dormidas em adição a meia xícara de má alimentação e uma pitada de insolação, tudo batido em feridas que não mais cicatrizam. Não tenho muito do que reclamar, ao menos não estou mais sozinho, minhas alucinações de aborígines que me fazem perguntas em dialetos estranhos ao menos me servem de passatempo, tal como seria a tevê no continente. Quando aqui cheguei achei o ambiente um tanto mórbido. É verdade que a ilha é bem ensolarada, e que quase não chove, mas as plantas são acinzentadas e os animais taciturnos sendo que quase não os vejo.

Quanto aos aborígines vem de tempos em tempos, com estranhos rituais. Levam-me para o centro da floresta e lá me amarram, pouco antes de me aplicarem seus venenos, sou uma espécie de cobaia para eles. No principio achei que não eram reais, os ignorava, percebia a sua presença mais fingia não a perceber. Afinal eu era apenas um naufrago, e ainda o sou. Só que agora sou um naufrago escritor, e isso me torna perigoso. Nos primeiros dias nem eu nem eles nos comunicávamos, eu ficava em minha cama, perto da janela que dava de frente para uma bananeira. Olhava pra bananeira que me contava coisas e me dizia quem, que comigo embarcara no navio, ainda sobrevivia em alto-mar, sua altura lhe permitia tal visão. Tal como os nativos acabavam vindo de tempos em tempos parar na ilha, mas assim que se postavam a falar-me mais de meia hora eram raptadas pelos aborígines, algumas voltavam, conseguiam escapar aos bárbaros, todavia, a cada vez que retornavam pareciam mais ligadas ao mundo dos primitivos do que ao meu, e logo em seguida desapareciam. Com o tempo foram morrendo em alto-mar, eu não mais as via. Aquelas que costumavam retornar do centro da floresta não mais retornavam, viravam deuses da ilha, representados a mim apenas por imagens. Ou simplesmente eram comidas, literalmente comidas, pelo que a bananeira me explicou ser a falta de tempo da contemporaneidade. Elas não me eram próximas e nem o queria eu que o fossem, mais hoje como me fazem falta, como queria poder revelas, falar-lhes mal de suas vicissitudes. Doce esperança que mais está para uma ilusão do que para a realidade.


Imagem de Paul Gauguin

domingo, 3 de agosto de 2008

A loja de doces está pegando fogo


“A loja de doces está pegando fogo”

Uma mulher gorda gritava: “A loja de doces está pegando fogo”, enquanto carregava varias caixas de doces. O incêndio lambia as paredes da loja. Os doces derretiam dando um ligeiro aroma adocicado a fumaça preta que saia pelas janelas. Os vidros estilhaçavam enquanto a mulher gorda continuava a gritar e a carregar cada vez mais doces. Ela os segurava como se fossem seus filhos e chorava a queda de um deles no chão que tinha de ser sacrificado para a salvação dos demais, e principalmente para a felicidade do seu paladar. O desespero daquela mulher se esvaiu quando ela abriu uma porta no final da loja em chamas e do outro lado o fogo já não mais ardia.

As paredes em um tom azul-bebê desta sala adjacente contrastavam com a cara e as roupas esfumaçadas daquela mulher. Que dá alguns passos na sala vazia e com toda convicção do mundo, no que ainda segurava um monte de doces, olhando fixamente dentro dos meus olhos diz: “Venha já para a queima de estoque das lojas Doce, aqui você compra o que precisa para as festas de São Cosme e Damião sem precisar se queimar no final do mês venha logo e confira”. Eu estava sentado na frente da tv meio sonolento alisando o estofado do sofá de veludo, me levantei fui até a cozinha. Abri a porta da geladeira e paguei em dinheiro uma sacola de doces da loja doce a uma baleia jubate que atendia em uma praia e tirava o troco de dentro de uma caixa de isopor.

Acordei assustado.

Eu estava sentado, com a cabeça recostada no sofá de veludo, enquanto uma mulher gorda gritava em um comercial de uma loja de doces na tv.

“A loja de doces está pegando fogo”

Imagem de Andre Derain