domingo, 29 de março de 2009

Curtas



Minhas leituras mudaram, meus interesses também. Mesmo assim sinto que não mudei. Confedero-me o mesmo e isso me angustia. A vida parece afundar em uma areia movediça no meio de uma exuberante selva amazônica. Eu vejo a sua imensidão, onde minha vista não alcança eu sinto ainda faltar muito para essa imensidão acabar. Sinto me pequeno, sinto me impotente também. Pequeno perante a imensidão e impotente por estar dentro da areia movediça. Sim, estou dentro e quanto mais me mecho mais longe fico da borda, mais longe de me mover verdadeiramente. Afinal afundar não é se mover, se aqui aplico uma metáfora não existe melhor metáfora do que a da areia movediça para representar a vida. Quanto mais você vive mais perto esta de morrer. E infelizmente só podemos ir até onde nosso corpo e mente alcançam só o que neles vivemos. Casca de arvore que nos impe de voar. E que vá para o inferno os aviões, as aves é que são livres, levemente livres.

Imagem de Willem van Aelst

domingo, 22 de março de 2009

Curtas


MINISTÉRIO DA SAÚDE ADVERTE:

Tristeza é contagiosa,

e contagia até a moça mais prosa

e o rapaz mais sagaz.

Se um dia você ver

uma pessoa com os sintomas não se espante

vá até ela e lhe conte

que a no mundo alguém,

que como ela espera,

o tempo passar

para com ele levar

as ilusões desse amor bandido.

Quantas cartas já não rasguei, quantos bilhetes não entreguei, quantos arquivos (porque não) eu apaguei. Tudo por medo de que eles virassem portas que dessem dentro do meu peito e estando lá dentro você no simples tocar ferisse o que eu penei tanto há costurar. Ai do poeta que diga que nas suas palavras mais benditas não estão, se não por inteiro em partes, todo o seu pesar, todo o seu amar, toda sua alma. Por isso não escrevo em versos, eles nos desnudam nos revelam por inteiro. O poeta que muito escreveu já de todo se descreveu mais do que jamais uma bibliografia poderia querer. Quando escrevo em verso faço por ironia a mim mesmo em nada me revelando, me escondendo entre as linhas do humor irônico.


Imagem de Artista Desconhecido

domingo, 15 de março de 2009

Curtas



Devo confessar que sou um João de barro frustrado. Se na cadeia de pássaros existe uma ordem lá do alto nos olham os João de barro, e isso é inegável. Porém eu sempre quis ser beija flor e sair de flor em flor só tirando delas o que elas tem de valor. Infelizmente a natureza me fez diferente e eu fui destinado a ser João de barro que mesmo querendo só consegue da flor seus espinhos. Maldita mãe natureza que se mostrará a mais cruel das madrastas. Mesmo assim não posso negar meu amor por você, deve ser algo de útero ou quem sabe cordão umbilical. Mas se não mudares não me dá escolha que não me matares.

- Alo, to deixando o girassol e já estou voltando pra casa.
- Volta com Deus, se não morrer antes.
.
.
.
Não peça mais que uma vez...

No detalhe destruímos tudo que o geral fez questão de construir.

(...)

PS.: Texto sem contexto, frases sem pretexto não tente contextualizar.

Imagem de Titian

domingo, 8 de março de 2009

Curtas



Nada, nenhuma idéia genial nem ao menos um pensamento furtivo. Mas tenho que escrever; era o que ela se dizia todo dia. Linda e inteligente por natureza. Delicada e safada por esporte. Sedução não era para ela um jogo, mas um prazer; nem ela própria entendia seus motivos e por isso também não devemos tentar entendê-los. Era simples em roupas fúteis e fútil em lugares simples e assim se destacava. Aliais se não se destacasse por isso se destacaria por todo resto. Era uma criatura fascinante. Seus cabelos entre meus dedos deixavam um cheiro que me faria lembrar dela por semanas. Nesta noite estava eu em seu apartamento. Enquanto eu trocava de canal ela, nua, na escrivaninha resmungava a sua necessidade de ter de escrever. Quando lhe perguntei o por que dessa necessidade ela me respondeu o que para muitos pode parecer escatológico, mas para mim pareceu apenas um exemplo necessário. Disse que escrever para ela era como espremer uma espinha, você pode não espremê-la e deixar que ela se desfaça sozinha ou pode simplesmente pressioná-la até que ela ecloda e de lá saia todo o pus. Se ela não escrevesse aquela espinha dentro dela eclodiria ou sumiria em algum momento, agora se ela pressionar até que saia o pus ela terá todo controle sobre aquele sentimento. E era isso que ela queria, total controle.

Perguntei então se estava faltando algo pra ela. Então ela se levantou, e aqueles seios tesos com bicos estendidos do carinho que o ar gelado do ar-condicionado lhes fazia caminharam pela sala até a estante. De costas se agachou e se agachando vi toda a conformidade das curvas de suas pernas em aquiescência como a lombar onde no centro saltavam-me aos olhos a marca do biquíni já um pouco perdida pelos tempos de inverno que se tem feito durante o dia. Novamente se levantando estendia um charuto ao qual aceitei e um cinzeiro. Abriu a garrafa de wishk e em dois copos serviu até a metade. Foi até a cozinha de onde voltou com três cubos de gelo em cada copo. Sentando na cama acendemos os charutos e brindamos. Uma hora depois eu cansado de tanto transar dormia, enquanto ela encostada nas costas da cama com minha cabeça em seu colo escrevia em um caderno velho palavras que eu nunca cheguei a ler. Quem sabe sentimentos perdido, ou novos sentimentos adquiridos.


Imagem de Salvador Dali

domingo, 1 de março de 2009

Curtas


Hoje lembrei tudo o que você já me fez sofrer, e novamente voltei a beber. Acho engraçado como velhas lembranças podem trazer velhos hábitos. O habito que eu tinha de me amar passou pra você, mas você nem notou. Perdi velhos amigos e você achou que eu nem liguei. Ganhei novos amigos e você achou que eu me perdia de você. Ela nunca foi presa a mim, sempre foi muito independente, porem necessitava que eu dependesse dela, sendo assim acho que de alguma maneira ela dependia sim de mim, sem ser aqui de forma alguma demagogo. Sua independência nunca me incomodou, pois sempre fui muito mais independente, talvez daí a necessidade dela de me prender. Ela morreria e não conseguiria, foi o que eu pensei, mas era eu que morria aos poucos. Minha felicidade passou a ser a dela, se ela não estava feliz eu ficava triste, com o tempo isso passou a acontecer sempre. Sempre que não concordávamos ela se entristecia, e como isso me machucava. E eu continuava a morrer.

Só que minha independência, o ao menos o que sobrou dela, me deu novas amizades, novos amores, novos desejos. E o eu que morria ficava apenas na parte que a ela pertencia, como um braço que apodrece, você tem duas escolhas deixar ele tomar seu corpo ou cortar-lhe fora. Eu acho que se dependesse só de mim eu todo apodreceria. Só que eu não pertenço a mim mesmo. “Cada uma (pessoa) que passa me leva um pedaço. E todas juntas não me fazem inteiro.” Dizia a mim mesmo um dia desses. Eu que sempre achei um problema não ter amizades, amores, desejos, eternos descobri que é por ser eu feito de partes, partes eternas enquanto durarem. Eu não escolho esse período, nem as pessoas, ele simplesmente acontece. Perdão aqueles que se afastaram, um perdão maior ainda aqueles que eu afastei, mas saibam que de todos só guardo boas lembranças e desejos de que retornem e de que se vão novamente, nesse fluxo interminável vocês me formam.

Conhecerei ao mundo inteiro, sem nunca me dar por inteiro, o mundo só me conhecerá em parte. Essa é a minha sina, esse será meu pecado.

Imagem deSalvador Dali