domingo, 28 de dezembro de 2008

Na janela – 2/2



Estando já cansado deste joguete temporal, e ciente da recente curiosidade do caro leitor quanto ao conteúdo desta nova caixa, porém sem me esquecer do principal que ainda não consegui realizar, que é olhar o céu, retorno aqui a corrente normal do fluxo temporal. Ouviram o barulho? Este som foi o do meu corpo que já caíra neste instante. Levanto-me com as costas doloridas, contudo sem mais machucados, o que me é um alívio. De pé olho para a mala prateada no chão do quarto. A escuridão não me permite uma boa observação do recinto, decido priorizar o levante do toldo antes de desvelar a mala. Tendo arrebentado a corda, subo na cadeira e, inclinando meu corpo para fora da janela, de forma que possa alcançar a ponta da corda, na ponta do toldo, para só então ter a digna possibilidade de levantar o dito cujo. Enquanto meu corpo paira no ar, seguro apenas pela mão, me deparo com a altura que estou e lembro, de supetão, que possuo fobia a tal fato. Sobe-me uma vertigem que passa pela boca do meu estômago, me fazendo tremer as pernas, e continua a subir me causando uma falta de ar ao passar nos pulmões, dificuldade de engolir ao passar da garganta e a pior de todas, de me dobrar a altura, passando pelos meus olhos. Com minhas últimas forças, que não eram muitas, pois já é sabido o meu medo, e com a sensação de ser sugado por aquela elipse de chão, agarrei-me como pude na grade previamente já aberta da janela e me puxei de volta para o quarto.
Aqui novamente poderia parar o tempo, entretanto peço ao leitor que considere a pausa anterior que em muito não difere desta nova. Pois bem, novamente voltei ao chão do quarto e novamente bati com as costas na mala. Desta vez me levantei esbravejando com Deus e o mundo, chutei com toda força a mala, que pouco se mexeu, porém me causou uma imensa dor nos pés que me fez esbravejar com Deus e o mundo um pouco mais. Sabendo que não conseguiria ver o céu decidi abrir a mala, e para isso tive a brilhante idéia. Na falta da luz solar que usufruamos da luz da modernidade. Acendi a lâmpada no interruptor, todavia o quarto não se quis iluminar. Olhei naturalmente para o teto e percebi que o bocal onde deveríamos achar a lâmpada se encontrava vazio. Esbravejando um pouco mais sentei na poltrona. Respirei fundo e decidi tomar coragem em levantar o toldo. Afinal existia um homem naquele lugar, e esse homem era eu. Levantei-me e respirando fundo lembrei da sensação de vertigem, que fez minhas pernas tremerem e me colocou novamente sentado naquela poltrona.
O celular tocou. Era o alarme me avisando que chegara a hora. Geralmente o tempo passa mais devagar, mas hoje estou tão entretido em conversar comigo mesmo que nem o senti passar. É uma loucura ficar horas esperando para fazer o que se tem de fazer sem fazer exatamente nada. Não sou de ficar muito tempo parado, uns amigos haviam me indicado palavras cruzadas. Eu até que tentei, mas no final acabo não terminado nem a primeira página e adormecendo. Abri a maleta e comecei a me preparar, eles já iam passar por aquela rua e eu tinha de estar pronto para eles. Fechei a cortina e por uma fresta observava enquanto de dentro da mala tirava todo material que precisaria para o serviço. Eu tinha de ser preciso, só tinha uma chance em cada trabalho, um erro e se punha tudo a perder, meses jogados fora. E no fim acabava se espalhando. Todos ficam sabendo da sua falha.
Com tudo do que precisava em cima do criado mudo voltei a observar da janela a rua. Estava pronto, mirava os pedestres e falava sozinho para me aquecer. Como já disse, quando o serviço desse as caras eu só haveria de ter uma chance. Uma única chance. Enquanto fitava da janela alguém bateu à porta. Quem poderia ser? Peguei uma portátil e fui conferir no olho mágico. Enquanto me dirigia para a porta apertava contra meus dedos o frio metal da portátil, estava nervoso, não poderia perder este trabalho, e esta pessoa na porta colocara tudo a perder. E se eles passassem pela janela e eu não os visse? Hesitei no meio do caminho da janela à porta. Decidi voltar a janela e aguardar, fingiria que não havia ninguém. Entretanto enquanto voltava a posição de onde estava pisei em um taco solto, que fez tal barulho que imaginei, se lá fora, eles ou ele, ou ela no que não sei ao certo, teriam ouvido. Fiquei parado em silencio.
Voltaram a bater à porta e desta vez me chamaram pelo nome, será que era uma emboscada? Nesse ramo muitas vezes já tentaram me passar a perna e se hoje estou aqui é por ter conseguido escapar a todas as tentativas. Aproximei-me da porta e olhei por dentro do olho mágico. Eram eles. O serviço me batia à porta, mais como saberiam, não foi assim que me informaram, eu os esperava na janela. E agora, estão à porta, e o pior, sabem o meu nome, corri até o criado mudo e recoloquei todo material que havia retirado da maleta, e fechando-a apoiei na parede. Arrumei-me e com a portátil na mão abri a porta.
-Boa tarde, viemos ver o apartamento.
-Boa tarde. Por favor, podem entrar.
-Eu sei que havíamos combinado no hall dos elevadores, mas o porteiro nos disse que o senhor já havia subido então preferimos poupar-lhe o trabalho de descer.
-Não, tudo bem. Eu trouxe os papéis, estão dentro da pasta, se lhes interessar o apartamento, fechamos hoje mesmo.
-Claro. Bonita caneta, onde comprou?
Apartamento vendido. Mais um breve dia na perigosa vida de um agente imobiliário.


Fim

Imagem de Thomas P. Anschutz

domingo, 21 de dezembro de 2008

Na janela – 1/2


Sentado em uma poltrona observo a janela. Numa mão seguro um livro e na outra uma xícara de café com um dedo de whisky. A janela é extremamente feia. Os raios luminosos não atingem diretamente meus olhos, são bloqueados primeiro por um toldo e em seguida por uma grade fechada. Coloco o livro e a xícara, já vazia, em cima do criado mudo e vou até a cozinha pegar a chave da grade. Ela está presa por dois cadeados, cada qual em um lugar distinto, o mais alto me obrigado a pegar uma cadeira. Sua altura me é superior do que a da ponta dos dedos, não me permitindo abri-lo sem auxílio. Consigo remover os dois cadeados e abro a grade. Entretanto me arrependo dessa ação no instante seguinte, já que ela, a grade, faz um barulho assaz incomodo aos meus ouvidos. Todavia sabia que mais faltava para lhe retornar a mesma posição do que para terminar-lhe de abrir. Optei por deixá-la como estava. Aquela vista que eu tanto almejava era inteiramente necessária ao que o meu trabalho me propunha. Ainda teria de esperar por algumas horas até avistar o alvo, até lá tinha de preparar o terreno.

Passei meu corpo pela fresta que lhe havia aberto e tentei ver o céu. Não consegui ver nem o mais distante. Havia me esquecido do toldo que ainda me impedia a visão. Era um toldo vermelho, amarelado pelo tempo nas pontas. De extremo mau gosto, assim como a janela. A corda para levantá-lo estava presa na grade. Eu a desamarrei com toda a calma do mundo, e quando fui puxá-la para que o levantasse fiquei a imaginar como não seria legal se fosse automático, quem sabe pelo som da voz, simplesmente falasse “levante” e ele se levantasse. Mas não era assim, eu tentei, juro que tentei, mas ele não se levantou. Então, sem outra opção, depois de desamarrar a corda, eu a puxei e o toldo nem se mexeu. Com um pé na parede fiz força suficiente para mover o mundo. Dificuldades que temos de passar para simplesmente olhar o céu. Ledo engano. Aqueles que acham que para olharmos o céu temos que, de forma natural, inclinarmos a cabeça em pêndulo para trás, no que devemos formar, mais ou menos, e falo como leigo, um ângulo de uns 60 graus, cabeça-corpo, se enganam. Olhar o céu se faz uma questão muito mais metafísica, e os metafísicos hão de concordar. Deixando a metafísica e voltando a corda, e eu estava puxando-a, com toda a força, até que finalmente o toldo se mexeu. Deve ter mexido uns cinco centímetros, até o factível som que a corda fez. Um estalar que justificava para mim sua recente leveza daquele instante, e demonstrava por causa e efeito seu arrebentar, e com ela eu me vi em queda, rumo certeiro até o chão. A queda deve ter levado mais ou menos dois segundos, mas sendo eu o dono deste conto posso malear o tempo de forma a fazê-lo passar horas em segundos ou segundos em horas.

Assim sendo, a queda demorou é verdade, e enquanto caio observemos a corda. Os fios do interior da corda vão se partindo lentamente até que possamos ver no exterior dela o seu último suspiro de tensão. E o toldo, que como disse, deve ter se mexido uns cinco centímetros se não me engano. São exatamente cinco centímetros, como o havia dito antes percebo agora a olho nu e lento. Muito bem, agora nos concentremos na minha queda, que por hora, ou melhor, por segundo, é a coisa mais importante nesses milésimos que transformei em minutos. Observem meus músculos, todos contraídos, e de um instante a outro, no arrebentar da corda, todos novamente se relaxam. Minha cara que era de esforço agora passa a ser de espanto, a queda me leva em linha retilínea de encontro a uma caixa de papelão. O que será que há nessa caixa? Meu corpo que cai lentamente sobre ela vai amassando o papelão a espera de um material que lhe resista à pele, o que a princípio o é o chão. Entretanto, antes que o chão lhe chegue, minha pele se depara com uma outra caixa que escondida dentro da primeira não me era percebida até então. A caixa de dentro, bem mais dura, toda de metal, acaba por me ferir a pele, contudo nada que a faça rasgar. Vocês conseguirão ver, se prestarem atenção, que a pele em sua elasticidade se interioriza no próprio corpo, mas sem se romper. Com o meu tombamento para a esquerda, ela, a pele, vai novamente expulsando a caixa, que anteriormente tentara feri-la. Nesta luta sairá a pele campeã.

Continua...


Imagem de Gustave Caillebotte

domingo, 14 de dezembro de 2008

" "


Silencio,...

















...

Imagem de Henry Fuseli

domingo, 7 de dezembro de 2008

Tão perto, e ainda tão longe esta


“Tão perto, e ainda tão longe esta...”

Você não vê agrade que nos separa. É a grade inescrupulosa do destino. Quem consciente da pequeneza humana teria a coragem de dizer que podemos ultrapassar essa grade. Nos vemos por entre as frestas, nos tocamos na ponta dos dedos. Nossas palavras são claras e distintas e isso é o mais frustrante, pois sabemos o quão perto estamos.

(...)

Não conhecemos o longo gradeado que nos separa. Temos medo de ir procurar uma passagem pela grade, quem sabe até mesmo um portão no destino, e não encontrando não nos encontrarmos mais também. Esse comodismo nos assola. Eu pensei em pular a grade, cavar o chão, quebrar o muro do destino. Você ficou receosa da punição, mais uma vez ficou com medo da eterna separação.

(...)

Começo a desconfiar que você não gosta realmente de mim. E isso nos afasta cada vez mais. Quando você percebe que já não te freqüento com tanta periodicidade tenta pular a grade. Consegue. E do outro lado me vê com um outro alguém. Si magoa e volta pro seu lado. Quando venho te visitar age naturalmente como se nada tivesse acontecido. Mi prefere distante a idéia de um dia não mais ter. É ai que você erra. Eu queria ti ter por segundos e lembrar o resto da vida o quanto foi bom.

(...)

Você é bicho escaldado, se me aproximo demais você foge, se me aproximo de menos você também foge. E nessa tênue linha vou te perdendo tenuamente até um dia não mais te querer. E você triste virar pra mim e falar que nunca quis me querer.

“Tão perto, e ainda tão longe esta...”


Imagem de William-Adolphe Bouguereau