quarta-feira, 30 de abril de 2008

Declaração de Desamor


Falaram-me que você rasgou minhas cartas e meus poemas, porque? Acha que aquelas palavras não foram verdadeiras? Eu sempre te falei, e continuo a falar, que nós sempre teremos um ao outro, e isso não deixa de ser verdade mesmo que você não acredite. Eu não entendo onde você quer chegar com as suas atitudes, você parece não se decidir quanto a nada, porém chegamos em um ponto onde eu decidi, e onde uma decisão sua não mudará nada. Não que você não tenha poder ou vontade para isso, mas o fato é que não esta mais em suas mãos a decisão, apenas isto. Entendo que você esteja chateada, eu também estou, mas nada do que você tem feito tem facilitado para nenhum de nós, você mistura horas de lucidez com horas de loucura, eu não posso te dar carinho se você me pede intimidade, eu não posso te dar amizade se você me pede presença, eu não posso te dar confiança se você me furta beijos, eu não posso te dar companhia se você me impõem limites, eu lhe peço tempo não dias.
Não quero que você se guarde, não quero que você não ame e nem seja amada, mas hoje eu não posso mais te ter. Já discutimos as razões. E lá vem você de novo, com inverdade, neuroses que só me afastam mais. Às vezes me paro pensando quanto sofrimento eu tenho causado e sofrido, poderia enumerar as coisas que tenho passado, entretanto não acho nem um pouco necessário, como você também poderia o fazer, mas não o faz. E então, qual é a solução? “Quem dera eu tivesse a resposta, porém não tenho”. E então, ficamos na mesma? “Não, não quero e não posso, meu corpo já não agüenta mais, e não creio que o seu também agüente”.
Mas ai esta a questão, como se diz adeus à pessoa que se ama? Não se diz, chora-se, é algo que não pode ser expresso por palavras, apenas por lagrimas, e dessas lagrimas fazemos um rio, que leva nossos sentimentos em deságüe ao mar, para que nele, no mar de nossas vidas, se misture e vire apenas uma historia, dentre muitas que carregamos em nosso passado, porém da qual as pedras de nosso rio jamais se esquecerão.
Imagem de Gustave Courbet

domingo, 27 de abril de 2008

Laura


Toda vez que terminavam suas intensas discussões, transavam, e era simples, como o ponto que se espera sempre ao final de cada frase. E era em ato, tudo novo, suavam. Intrigante era como a raiva dos dois se dissipava, ainda estando com raiva, se faziam por um entre e sai de um sexo selvagem, com unhas, urros, dentro de um ritmo mais animal do que humano, e no fim, sem esperança, não sei ao certo de que, nem um pingo de amor, o gozo, que os limpava de toda raiva, como o pus de uma espinha exprimida até seu fim. Dormiam, fumavam e riam dos seriados americanos na teve no final de cada madrugada. Se entreolhavam como objetos, não havia mais sentimento entre os dois, nem o de rancor, depois do sexo eram apenas dois corpos.

Foi então que ela resolveu voltar a sentir, e passou uma semana evitando telefonemas, campanhias e gritos que a chamassem em um bom tom. Fumava o dobro, eram quase três maços de Malboro por dia, se perdia na janela e na fumaça de seu apertado e quente apartamento em botafogo. Na sua cabeça, a idéia de um verdadeiro fim, mas não sabia como dá-lo a ele, por isso, escondeu-se do mundo e de si mesmo, pintava coisas que não queria, chorava por filmes que não vira. Até que ele parou de procurá-la, e ela rejuvenesceu. Ela não precisava mais se esconder, respirava para encher os pulmões de vida. E, agora sim, tudo era tão mais simples e saboroso.

Eu, da janela do meu apartamento, de frente para o dela, tudo vi. Foi então, quando a vi chorando, escondendo-se do mundo e, principalmente, de si, que decidi parar de procurá-la. Parei de ligar, de tocar sua campanhia e de gritar-lhe em bom tom de baixo de sua janela. Depois de um tempo, ela não mais se escondia, respirava para encher os pulmões de vida, e tudo lhe parecia mais simples e saboroso. Quanto a mim, o que posso dizer? Continuo a vê-la, porém, agora quem chora, se esconde do mundo e de si sou eu, a diferença, é que ela nem me nota.

Imagem de Sir Lawrence Alma-Tadema

Gritado Por:

Sweet Silent - http://petalla.blogspot.com/ -

Adrian Troccoli - http://criticareconstrutiva.blogspot.com/ -

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Ser Humano


Cego. Não. Surdo. Não. Mudo. Não. Insípido. Não. Insensível. Não.

Só estou, só ficarei. Relações humanas não mais enobrecem meu ser. Mas que relação não é humana. Até sozinho comigo mesmo estou me relacionando com um humano. Animal cruel, vil e sem razão alguma, ou pleno dela por inteiro. Nas atitudes mais cruéis dos homens mais vis e que consigo enxergar a verdadeira natureza humana. Coitado de mim, que não consigo ver mais nos homens qualidades, atos nobres, boas ações, nem mesmo em mim. Pessimista, eu? Nem um pouco. Realista, talvez. Porém o mais certo seria dizer sincero, apenas isso. E sincero não significa ser verdadeiro, mas sim confortável.

Estou sentado na ultima fileira do ônibus, aquela de bancos unidos, na qual o contato físico é de certa forma inevitável, mas isso não me incomoda tanto. O coletivo está relativamente cheio. Relativamente cheio significa, em bom português, não estar entupido de gente. Na frente do ônibus entra uma senhora, seu caminhar não é dos melhores, porém também não é dos piores. Meu dilema começa. Primeiro sei que dificilmente alguém irá se levantar, isso costuma acontecer somente em casos de estrema invalides, e às vezes nem assim. O dilema é o seguinte, eu como ser humano, digno do reino dos céus, devo me levantar, e desta forma acenar para o outro lado do ônibus, fazendo com que a senhora atravesse todo o ônibus, aos trancos e barrancos pra se sentar, ou pouco ligar para o que a senhora sente, ou pensando em sua situação devo me erguer e gritar a todos no ônibus que dêem o lugar mais próximo a senhora, ou devo ficar em meu lugar e torcer para que a senhora arrume um bom lugar na frente, ou dentre as varias possibilidades de ação que me resta devo agarrar-me a que mais me agrada?

Sincero não significa ser verdadeiro, mas sim confortável. Entende? Tendo eu varias opções me agarro aquela que mais me conforta. E não venham me dizer que temos de fazer o que e certo, pois o certo só se fez certo por ser recompensado como tal. Ou alguém dentro desta sala acredita que o certo e o errado surgiram de outra forma? Através de uma lei quem sabe, e o que é a lei, além disso, que acabo de dizer, recompensa do que é dito como certo e punição ao seu oposto. Logo não sou verdadeiro, sou confortável, em minha sinceridade.

Cego. Não. Surdo. Não. Mudo. Não. Insípido. Não. Insensível. Não. Sinto, e sentindo vivo, sei quem sente comigo, e me sinto sentindo com eles, mas se meu sentimento não é no sentido que sentes, me desculpe por sentir diferentes.

Imagem de Caravaggio [David and Goliath]

Ps. : Não ia postar hoje, porém varias coisas me fizeram acreditar que hoje se fazia um dia ideal para que eu postasse esse texto. Quem buscar respostas nas perguntas que faço só encontrará mais dúvidas, por isso leia como quem lê os quadrinhos do jornal, e não como quem lê a bula de um remédio tentando encontrar uma doença que o apraz. Não sintas nada por mim, pois não é de mim que escrevo, mas sim dos vários outros que moram comigo dentro de mim.

domingo, 20 de abril de 2008

Sentido Imaginativo


Estava me barbeando, e comecei a imaginar como enxergava mal esse mundo. Peguei me da gilete e cortei-me um olho, bem ao meio, para que por ele não pudesse ver. Imaginava que assim sentiria melhor o mundo, mas isso não se procedeu, continuava a sentir o mundo da mesma forma. Decidi-me então a cortar o outro olho, para saber se assim sentiria melhor o mundo. Nada. Continuei a senti-lo da mesma forma, pensei que talvez a visão não influenciasse tanto assim minha percepção do mundo. Foi então que uma gota de sangue escorreu até minha boca, e ao sentir seu gosto pensei, que talvez, o que realmente influenciava minha percepção do mundo seria meu paladar. Na mesma hora, peguei-me da navalha e arranquei minha língua. Nada mudou. Talvez apenas uma sensação de vazio na boca.
O cheiro do sangue que escorria por meu rosto penetrou em minhas narinas, tive certeza, o olfato era o que contava de mais importante para minha percepção do mundo. No mesmo instante, porém com um pouco de êxito - afinal tenho que confessar, meu nariz é o que considero de mais bonito em mim; mas não o podendo ver de qualquer forma – arranquei-me o nariz. Tudo igual, já estava começando a achar que nesse mato não havia nem sequer uma barata. Até que comecei a escutar o barulho que meu sangue, já empossado entre meus pés, fazia ao pingar de meu corpo. Sim, ai estava à solução, era através, principalmente, da minha audição, que eu percebia o mundo. Com toda à vontade do mundo, e muitas esperanças no coração arranquei-me cada uma das orelhas, com um corte apenas. Sim, sim, não.
Também não era esse sentido, porém não estava triste, pois sabia que só havia me restado apenas um sentido, e entre meus dedos pude literalmente senti-lo. Mas como bom empiricísta que sou, tinha de fazer a minha última experiência, só que esta não era tão simples, afinal não me podia cortar o tato. Assim, estiquei a mão e abria a porta do armário, lembrando-me de onde guardava o que queria, fui diretamente ao lugar. Peguei meu vidro de morfina, que usava somente em momentos de eterna sanidade ou de findáveis loucuras e apliquei-me o frasco inteiro,jamais havia o feito, usava de minha morfina apenas em pequenas doses, porém, dessa vez, usei o frasco inteiro. Sabia que em algum momento eu pararia de sentir tudo, e não mais tendo percepção do mundo poderia afirmar que o tato é realmente o sentido privilegiado, essencial, para qualquer forma de apreensão do mundo.
Sim, sim, não. O mundo continuava o mesmo, nada mudara, eu continuava a imaginá-lo da mesma forma, foi então que me toquei. O mundo não é o que parece ser, e nem é como você o enxerga, prova, cheira, ouve ou simplesmente toca, não, o mundo é o que você imagina que ele seja.
Se me permitem, posso afirmar que o sentido que comanda a percepção é o sentido da imaginação. Morri logo em seguida, pois parei de imaginar, e descobri que estava realmente certo.

Imagem de Hieronymus Bosch

terça-feira, 15 de abril de 2008

Ponto


Você já foi tão bonita. O que aconteceu, me pergunto. E não contente em me perguntar, pergunto aos outros; eles dizem que nada mudou e que sua beleza continua no mesmo lugar, entretanto como não posso ver aquela beleza que vi anos atrás? Aquela que me cegava, me inspirava, me tentava. Será que fui eu que mudei? Será que meu grau aumentou? Talvez meu ideal de beleza tenha mudado, mas sendo ideal, ele pode mudar?
Partiremos do ponto que sei que é real e indiscutível. Sua beleza sumiu. Nem diminuiu, nem mudou, não é uma questão de cansaço ou amadurecimento, não foi se desgastando, ela morreu, findou-se, ponto. Ponto. Ponto que finaliza, que pede o fim, não é a pausa para respirar, nem para dar entonação à frase, é simplesmente para finalizar. Ponto, foi o que eu vi, você virou um ponto. Sei que sua vida continuará, você irá mudar, eu irei mudar, nos iremos nos falar, e talvez até nos reaproximar. Mas esse ponto parece uma mancha, uma marca, talvez não seja tão determinante, nem tão imutável assim, entretanto, se um dia essa mancha sumir, eu continuo a acreditar que mesmo assim; dá mesma forma que quando olhamos diretamente para o Sol e fechamos os olhos continuamos a ver a luz a brilhar em nosso pensamento, acho que quando fechar os olhos, ainda verei o ponto.
Não pense que estou te diminuindo, não pense que deixei de acreditar em você, sei que você será grande, bem sucedida e até quem sabe feliz. Mas não se engane, a grandeza de uma pessoa não é por ela verificada, são os outros que a afirmam, pois ser grande para si mesmo é apenas ser feliz, porém não necessariamente bem sucedido, e ser bem sucedido é apenas ser grande para os outros, também não significa ser feliz. Mas voltando a grandeza não a espere de mim, como disse, esse ponto parece não querer deixar-te, por mais que eu queira não consigo te ver por de traz do ponto.
Engraçado, hoje te vi na rua e você conversava com outro cara. Não sei se o fato dele ser outro ponto, este insignificante em minha vida, a tenha tornado uma reticência, afinal, dois pontos juntos abrem um diálogo, se um terceiro entra, continua-se uma história. Não sei, novamente senti vontade de beijá-la, entretanto para isso teria de me pontuar.
Será que a morte do escritor vale a história de um livro...?
Saí do ônibus e corri ao seu encontro, atravessei a rua, porém não vi a ambulância que cortava os carros, talvez estivesse surdo de paixão, ou quem sabe louco de ciúme. Você nem me notou,/ continuou a andar,/ a cada passo que dava,/ mais uma estória/ que eu tinha a contar./
Ponto.

Imagem de Salvador Dali - Untitled - Set Design (Figures Cut in Three), 1942

domingo, 13 de abril de 2008

Dor nas Costas


Abriu os olhos e não quis se levantar. Suas costas doíam, e a vontade de permanecer naquele instante imóvel lhe pareciam a mais confortável possível. Enrolou mais uma hora na cama. Novamente abriu os olhos. Suas costas ainda doíam, porém sua vontade mudara. O que lhe impelia agora era a simples vontade de fumar um cigarro e tomar um café. Para muitos isso pode parecer pouco, porém para ele, neste instante, era tudo. Não é que o nosso personagem não pensasse no futuro, muito pelo contrario ele pensava ate de mais, se é que isso é possível, visto que o futuro assim como o passado são meras construções do presente e para formá-los e sempre necessário pensá-los.

Mas voltando ao pensar do personagem, não é que ele não pensasse no futuro, mas aquela dor, que agora se tornara minúscula, porém insistente, parecia a seus olhos espreitá-lo, a procura de um deslize seu, um deslize que faria com que ela voltasse a galope, feliz, para as mãos de se amo que não a deseja. A dor para nosso personagem era como uma ancora que o fincava no presente, ele jamais poderia se imaginar no futuro com essa dor. Afinal, por mais que imaginemos coisas ruins para nosso futuro elas serão sempre utópicas ate que realmente se concretizem.

E simplório de mais falarmos da fome sem nunca atermos sentido, nossa fome nada mais é do que o nosso corpo nos pedindo o habitual de energia ingeridos religiosamente ou não, não é fome é ânsia, de chegarmos em casa e comer. Agora a fome de um habitante da catinga em plena seca nordestina é a esperança de, quem sabe, poder vir a comer algum dia. Percebe a diferença? Então, essa era a questão, essa dor já o incomodava tanto, há tanto tempo, que ele simplesmente não conseguia mais projetar seu futuro sem que ela não estivesse presente.

Pelo menos não estaria sozinho, pensou ele, enquanto estiver com minha dor sempre poderei contar com alguma coisa. E dela fez bengala. A mesma dor da qual tanto fugiu agora era sua aliada, e como sempre a tinha por perto passou a não precisar de mais nada. Tinha sua dor, não precisava da dor dos outros, a dor dos outros já não o comovia, pareciam pequenas perto da dele, a dele era superior, e quando não era, fazia-a parecer. Todavia o que ele não sabia e que por suas costas o milagre da vida trabalhava. O corpo não suporta algo que o aflige, diferente homem que se acostuma, se entrega, o corpo luta em silencio. Ele luta em silencio porque cansou de gritar, o homem se habitua porque cansou de lutar.

E na luta solitária e silenciosa o corpo jamais perde, pois a derrota para o corpo é a morte, enquanto houver vida à luta, mesmo que ninguém a perceba.

Abriu os olhos e não quis se levantar. Suas costas doíam, e a vontade de permanecer naquele instante imóvel lhe pareciam a mais confortável possível. Enrolou mais uma hora na cama. Novamente abriu os olhos. Suas costas ainda doíam, porém sua vontade mudara. O que lhe impelia agora era a simples vontade de fumar um cigarro e tomar um café. Ao se levantar percebeu que suas costas não doíam mais, ele não o percebera antes porque não havia tentado se mexer antes, simplesmente sabia que estava lá, não precisava mais senti-la. Imagine qual foi seu espanto quando viu que a bagagem da dor não estava mais lá.

Ela havia esvaziado o guarda-roupa e partido, sem nem ao menos lhe deixar um bilhete, era o mínimo que ela poderia lhe dar, afinal foram anos de convivência, ele já conhecia todas as suas manias, seus trejeitos, sua forma de ver o mundo se baseava na dela, ele dependia dela pra viver. É como se em um mundo sem dor ele parece-se não estar vivo, parecia flutuar, sem esperança, sem futuro, pisava no chão e não sentia mais nada. Tentava se lembrar de quando não queria a dor por perto, mas não conseguia mais. Apegara-se a ela. Então, sentado na cama começou a chorar, o choro que para muitos deveria ser de felicidade era em verdade de medo, de insegurança. Queria viver, mas viver sem dor, não sabia se seria capaz.

Levantou, ainda de pijama, abriu a porta do seu apartamento, e subiu as escadas até o terraço. Não era muito alto, tinha quatro andares no máximo, considerando o térreo. Estava sozinho, nem os pombos estavam lá aquela hora. Foi ate o parapeito, olhou para baixo, a rua, que normalmente é pouco movimentada, a exceção dos dias de feira, estava deserta, e o sentimento de vazio só crescia. O mundo inteiro parecia ter se mudado para outro mundo e o deixado ali, não como dono deste mundo antigo, mas como exilado, como desnecessário. E a dor, sua companheira de uma vida inteira, com quem contava, também o abandonara naquela manhã.

Ele subiu no parapeito, olhou mais uma vez para baixo, só para ter certeza de que estava mesmo só, fechou os olhos, e lentamente pendeu seu corpo para frente. De olhos fechados não sabia se estava preste a cair ou se seu corpo penderia ainda mais pelo vazio. Foi quando sentiu uma puxada nas costas, rapidamente imaginou se não seria a dor que retornara, ao menos para se despedir. Seu corpo pendeu para traz e tocou de forma brusca o chão do terraço. Abriu os olhos e viu uma moça, ela que mais tarde se identificaria como sua vizinha de cima, lhe contou que ao ir jogar o lixo fora notara ele se dirigindo ao terraço, e que estava pálido e com uma aparência bem ruim, ela usou nestes termos para não dizer que seu vizinho estava com cara de suicida, se é que suicida tem cara.

Ela o levou para casa e lá eles conversaram. Ela lhe contou que estava passando por uma situação bem parecida, e enquanto os dois conversavam foram percebendo o nascimento de um novo futuro, uma nova esperança, ele achava a moça divertida, imaginou filhos com ela, uma família, sabe?

Poft, foi o som que fez seu corpo ao bater no térreo de cabeça. Tudo se tornou escuro. Por mais ou menos trinta segundos pode ouvir a voz de uma moça, que, entre lagrimas e gritos, dizia que este corpo era do seu vizinho de baixo. E lá ele ficou, a dor que ele tanto procurava não voltou, a rua estava lotada, era dia de feira, só ele não vira, sua busca chegara a um fim, não posso dizer que foi seu ultimo fim, pois sendo meu, parte de mim, posso vir a precisar dele um dia.

Abri os olhos e não quis me levantar. Minhas costas doíam, e a vontade de permanecer naquele instante imóvel me pareciam a mais confortável possível.

Imagem de Edward Hopper



Ps.:
A reedição desse texto neste novo blog, bem mais organizado, foi em homenagem a uma menina a qual deposito grandes esperanças de que um dia se torne uma grande escritora.

Se, eu não poder publicar seu livro, me permita ao menos publicar um artigo teu.

Beju.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Falta de Luz


Hoje faltou luz aqui na rua, porém dessa vez a companhia de energia avisou. É realmente surpreendente. Visto que sempre nos pegam de surpresa, até quando planejam. Entretanto uma coisa era de se esperar, ela não conseguiria cumprir um prazo, isto sempre foi pedir demais. Acabou a luz, liga para empresa; senhor, estaremos concertando o problema dentro de uma hora; é, dentro de uma hora qualquer.

Bem, estas coisas acontecem, mas não é por isso que escrevo. Escrevo para lhes dizer o quanto sou apaixonado pela escuridão. Não falo do escuro parcial, nem do escuro iluminado por estrelas e pela lua. Falo dá total ausência de luz. Aquela na qual, uma vez inserido, você passa a não enxergar, uma cegueira forçada. Instintivamente arregalamos nossos olhos como que para ver se através de orifícios maiores nos é possível à apreensão de luz, entretanto esta não existe. Em um dado momento somos naturalmente levados a piscar, e deste piscar nos vem o espanto, pois ao abrirmos os olhos vemos tanto quanto de olhos fechados, e isso não nos é comum nem nas noites mais sombrias.

Que fique claro, não somos nos que entramos na escuridão, é a escuridão que nos possui. Ela não avisa, você só a percebe quando tenta não vê-la. A sensação de impotência que insurge em nosso peito, faminto de luz, necessitado de imagem; esta angustia claustrofobica de paredes inexistentes que fecham nossos olhos, e aguardam ansiosas pela confirmação de nosso toque, que clamam por nosso reconhecimento para existirem.

Todavia, a beleza da escuridão esta exatamente no oposto do que acabei de revelar. A beleza da escuridão total esta em simplesmente pararmos e escutarmos. Isso mesmo. Não podemos tocar a escuridão, e é exatamente por isso que ao vê-la procuramos desesperadamente algo sólido em que nos agarrar. Um chão, uma base, seja de localização, seja de existência, procuramos provas de que o mundo continua lá onde o deixamos e que não é porque não o vemos que ele deixou de existir.

Daí a escutarmos. Nos e nossos inúteis olhos arregalados. O silencio que é gerado pela escuridão é o silencio da solidão, do verdadeiro encontro do eu com mais ninguém, nem com ele mesmo, na escuridão só existe um. Não vá imaginar, pelo que venho dizendo, que pretendo cegar-me, ou que julgo ser a cegueira algo bom ou ruim. Pois é exatamente por não me ser costumeiro que considero esta forma de não ver tão interessante, “visto” que se cego fosse, provavelmente me apaixonaria pela luz que dá vida aos objetos. O que torna mais maravilhosa ainda esta experiência de não ver é o fato de não controlar nem seu começo e muito menos o seu fim, mesmo sabendo, e isso vem ainda a lhe render um gostinho de quero mais, que a qualquer momento tudo novamente se acenderá. Seja pela boa vontade da empresa de energia ou pela do Sol, esta última, convenhamos, bem mais segura.

Como falei, minha alegria tendia ao fim, mesmo com algumas horas de atraso, a luz retornou. E com ela pude ouvir gritos de alegria, ao que tudo em dica, eles se reencontraram com os seus respectivos eus, enquanto eu, mais uma vez, me perdi do meu.

Imagem de Van Gogh (Potato Eaters)