domingo, 22 de fevereiro de 2009

Um amor, dois assaltos e três desilusões


(Parte 01 – Os assaltos)

Para que vocês possam apreciar a cena faço questão de imobilizá-la. Estamos dentro de uma joalheria, que fica na esquina da rua Farticio Brito com a Santo Afonso. A porta giratória que dá a entrada da loja fica milimetricamente no centro do espaço onde funciona a loja. Se estamos olhando esta porta de frente vemos a nossa esquerda a vitrine e a nossa direita a porta utilizada pelo gerente para abrir a loja pela manhã. Esta assim que aberta é logo em seguida fechada pelo próprio gerente, os demais funcionários, fornecedores e clientes entram impreterivelmente pela porta giratória que possui um sistema anti-furto que é ligado quando o gerente adentra a loja por volta das sete da manhã; e desligado apenas quando esse deixa a mesma por volta das oito da noite.

Porém a porta de uso próprio do gerente encontrasse aberta. Agora caro leitor, peço que atentem a dois detalhes, o primeiro é que estamos com o tempo estagnado e por isso nos demoramos tanto em mostrar-lhes os detalhes, coisa que em velocidade normal não nos permitiria dizer quase nada; a segunda coisa que peço para que atentem é o relógio, são sete e dez, não a motivo algum para que esta porta esteja aberta ainda a uma hora dessas. Mas vamos entrar, por favor, me acompanhem. No centro da loja temos uma cúpula que nos revela o item de mais valor dentro da loja. É um cordão de ouro branco com rubis pendurados por toda a sua extensão. Contornando a loja um longo balcão se perpetua - relógios a nossa esquerda, anéis à direita e colares e pulseiras a nossa frente - a exceção de onde estamos e de dois cantos onde encontramos dois pequenos bancos. Neles estão sentados Marcos, que devo lhes apresentar como sendo o gerente, e Milena, sua filha.

Pode-se dizer que Milena se parece com o pai em algum sentido, que seja na primeira letrado nome e no fundo branco dos olhos. E que agradeçamos aos céus por isso. Ela uma bela morena, um pouco acima do peso é verdade, mas que de pernas cruzadas sentada no banco com uma cara um pouco assustada e também amassada, pelo fato de ter acabado de acordar, era inegavelmente a coisa mais linda dentro daquela loja. E sem que tenhamos de fazer qualquer analogia a bela e a fera estava ao lado de uma das coisas mais feias, seu pai, o gerente. Baixinho e careca, daqueles que penteiam o cabelo da esquerda pra direita como se isso burlasse qualquer reflexo do espelho que se transformara sua cabeça em formato de bola de bilhar, o gerente estava sentado de cabeça baixa como que pedindo que tudo aquilo não demorasse. Se sua filha estava, em nossa perspectiva, um pouco acima do peso com certeza seu pai está um pouco acima do limite de obesidade. Apesar de não aparentar seus cinqüenta anos aquele homem carregava nos olhos, ou talvez na testa, um casamento infeliz de mais ou menos vinte cinco anos, e se há algo que podemos ver na testa daquele homem são os desgastes desse relacionamento, que o deixara com diversas fendas de preocupação, entretanto ele católico fervoroso preferiria mais vinte anos infelizes a um Deus descontente em seu encalço.

Voltando a cena como um todo, temos a cúpula central a qual nos dirigimos assim que entramos na loja, esta está com seus vidros estilhaçados, mesmo que ainda nenhum dos estilhaços tenha tocado o chão, podemos dizer que isso logo ocorrerá. Dois homens encapuzados se encontram perto da cúpula. O primeiro à esquerda da cúpula com um martelo golpeia-a fazendo a estilhaçar, seu nome é Charles e ele trabalha no cinema de frente para a joalheria, mais ainda ninguém sabe disso, só nos e André o outro encapuzado que se encontra à direita da cúpula e aponta uma arma a cabeça de nosso já famoso gerente. Sei que já estou me tornando enfadonho mais peço ao leitor um pouco mais de paciência pos já estamos acabando. Na parede de fundo da loja vemos encima do balcão a caixa registradora que parece ansiar pela funcionária que só chegará quase duas horas depois e nem trabalhará hoje. No meio da parede vemos um porta que dá para um banheiro e para a saída dos fundos que quase nunca é usada já que nosso gerente morre de medo de que possam usá-la para assaltá-lo, grande ironia que é a vida na cena em que nos encontramos. Atrás desta porta, que se encontra entre aberta, vemos a sinueta de uma pessoa que também parece estar armada. Vamos nos aproximar enquanto podemos e matar a nossa, ao menos a minha, curiosidade de saber quem é. Atrás da porta encontrasse o policial da décima nona DP cabo Resende, que esta a paisana e rente à parede. A sua frente vemos a porta do tal banheiro, e nas suas costas a porta dos fundos que não parece ter sido arrombada por ele.


Imagem de William-Adolphe Bouguereau


(Parte 02 – A fuga)

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Curtas


“Diante de uma imagem imensa as palavras se tornam meras coadjuvantes.”

Novamente me propus a escrever mais, até que esta frase que está ai em cima virasse um curta. Porém novamente tendo dela uma visão assim, meio de longe, me parece ter formado um quadro tão belo que não tenho coragem de dar-lhe nem mais um ponto. Não tendo escolha prefiro novamente me referir a esse texto como sendo um curtíssimo, do que alongar o que já foi dito de forma tão breve.


Imagem de Henrique Bernardelli (1857-1936)
Messalina
Oil on canvas
Public collection


Ps: Me refiro ao texto do dia 11 de janeiro de 2009 -

http://criticareconstrutiva.blogspot.com/2009/01/curtas_11.html


domingo, 8 de fevereiro de 2009

Bebedeira



Minha cabeça girava naquele dia, ou melhor, naquela noite. Meu estomago doía e se nauseava, minha vontade era deitar e ficar em qualquer lugar entre o bar e minha casa, não importava. O bar já estava fechado e meus pés doíam o suficiente para me fazerem sentar. É engraçado, pelo menos para mim, pensar na possibilidade de que meus pés tenham ordenado algo. Mas foi como se mandassem em mim. Sentado afrouxei os cadarços do meu tênis. Que palavra feia, cadarços, apaguem-na, eram barbantes, em meu allstar haviam barbantes. Sabem como são metidos a modernos diferentes esses adolescentes, pois bem eu me enquadrava entre eles.

Além dos tênis quadriculados amarrados com barbantes, estava eu sentado na sarjeta sem meias com uma calça listrada uma cueca furada e uma camisa do Mussum, isso mesmo o grande Mussum. Uns taxistas me enchiam o saco para ir com cada um deles, depois que disse não ter nenhum dinheiro me deixaram em paz. A rua começava a ficar deserta, meus amigos que moravam longe dali já haviam ido todos embora. Eu, bêbado, me esquecera de pedir a eles o dinheiro da passagem. Logo tive de parar de enrolar e começar a andar.

Com os pés ainda doendo tirei o tênis e com os barbantes amarrados um no outro os pendurei no ombro e comecei a andar. Do bolso esquerdo da calça tirei um cigarro, aproveitando para contá-los, eram quatro, agora três. Acendi, e recomecei a andar. O caminho era escuro porém muito tranqüilo, acho até que posso dizer que qualquer caminho deserto é de certa forma tranqüilo. Comecei a pensar, se não passa ninguém aqui, ninguém também ficaria aqui para assaltar alguém, afinal quem quer assaltar precisa de alguém para ser assaltado. Mas tranqüilo dei a ultima tragada no cigarro e o joguei em uma poça de esgoto próxima. O barulho que fazia me fascinava. Não sei onde li alguém que pensava de forma semelhante. Se não me engano foi em uma noite dessas em que fazia o mesmo trajeto, e conversava com as mesmas pessoas, eu.

Meu momento de tranqüilidade tinha de ser interrompido em algum momento, e foi. Antes que pensem em assalto, batida de carro, gangues de rua, adianto que não foi nada disso. E digo que era uma revolta, estava no meio de uma revolução. Tudo girava, o silêncio começava a fazer barulho, meu estomago dominara o meu corpo. Meus joelhos não quiseram se dobrar perante o novo senhor, mas a cabeça sim, e na mesma velocidade em que ela se dobrava de dentro de mim saião os escombros da revolução. Apresados em sair do que antes fora seu pais corriam por entre minha boca e meu nariz. Até dos meus olhos escorreram mesmo que diferentes dos demais, talvez fosse a realeza do que antes tinha sido o seu império.

O dia amanhecia e eu fumava meu ante penúltimo cigarro, na esperança de tirar da minha boca os restos de uma noite de luta. Ah o sabor da derrota, como é asqueroso. Ao menos me sentia melhor, no mínimo o novo governo instituído deve ter proposto melhorias, porém estas só devem durar até a próxima sexta-feira, até lá aproveito a calmaria. As pessoas passam por mim como passam por um nada, um nada que pode feri-las é verdade, vejo isso em seus olhos, mas ainda assim um nada. Chego em casa e a própria casa já vive. Na intenção de matá-la fecho as cortinas e deito na cama. O dia vai me perdoar, mas hoje nem sei se vou dar o ar de minha graça à tarde, quanto mais ao dia.

Imagem de Guido Reni

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Curtas



Todos os dias você vem me ver. Todos os dias você me aparece das mais diferentes formas, seja em carta seja em e-mail. Me sufoca, mas eu gosto. O problema é que você também some. Não no sentido de não voltar, mas no sentido de não estar aqui. Como disse você parece estar aqui sempre. Quando sei que você não esta aqui, e esta nem ai para isso tudo que somos nos, simplesmente me sinto incompleta. É como se sua paixão tivesse me seqüestrado, e o seu corpo fosse meu cárcere privado. Sua falta me deixa assim, entretanto eu sei me preencher e nesses dias da sua ausência depois de muito sentir sua falta novamente me completo. Corro, jogo, brinco. Porém novamente você me aparece e novamente me sufoca. Eu repleta, transbordo até novamente precisar de você. E nesse ciclo percebo a total incongruência que sou. Te ter na presença, te perder na ausência. Acho que estou virando materialista.


Imagem de Balthus