domingo, 26 de abril de 2009

Primeira Parte – Apresento-lhes o Palhaço


Ensaio Circense- Doppelgänger

Doppelgänger - Crime


Homem. Mulher. Outro homem, outra mulher. Muitos. Será possível que eu tenha em mim ambos o sexo? Será possível que eu abarque em meu corpo mais de um? Olho-me no espelho e não reconheço homem nem mulher, entretanto reconheço a mim. Um homem me fala ao pé do ouvido, enquanto uma mulher ajeita-me a roupa. Estou pronto para entrar, pelo menos é o que pensa meu pai. Subo no meu monociclo e girando sobre minha cabeça cinco garrafas de vidro atravesso a cortina vermelha. O circo esta cheio, pessoas que não conseguiram lugar se amontoam na armação de ferro que concebe a escada, sentadas nos degraus olham-me com um ar sorridente, estão todas aparentemente felizes. Recebo as gargalhadas do publico, mas não sei do que riem, será que por de baixo dessa maquiagem não percebem eles a minha tristeza? Enquanto pedalo em círculos lembro-me dos acontecimentos recentes, que tem transformado minha vida em um pesadelo concreto.

Chamo-me P., vivo no circo desde que nasci, não digo que more no circo, pois nunca ficamos mais de um mês em lugar algum, a exceção duma ou outra vez quando vamos a capital. Minha mãe faleceu assim que nasci e meu pai, de nome Charles, é o apresentador e faz tudo da parte administrativa do circo. Ele e meus tios, por parte de pai, foram muito novos para o circo, logo que minha mãe engravidou. Eles tiveram de fugir do meu avô que queria matar meu pai por ter deflorado sua pequena filhinha, minha mãe na época tinha dezesseis anos. Os meus avos eu não conheço nem por foto, todavia não sinto lá muita falta dessa família, o circo sempre foi uma grande família pra mim. Da minha infância não tenho do que reclamar, sempre me diverti, afinal era eu uma criança no circo. Fui crescendo e o encanto, tenho de confessar, foi perdendo o brilho, já não possuía mais aquele fascínio. A adolescência passou sem muitos conflitos além do normal. Bebida, cigarro e mulheres. Até o dia em que ele chegou.

Ouvi o barulho das garrafas caindo no chão. Só tinha uma ainda intacta que segurava com a mão esquerda. Rapidamente vi Charles, apresentador e palhaço principal, que possuía a metade do circo e era o chefe por ser também o mais antigo. Quando consegui virar o monociclo em sua direção percebi que ele carregava uma torta, e obviamente não era para ninguém ali dentro daquela tenda comer, mas sim para sujar o palhaço. Recebi a tortada e sendo impossível me manter ainda equilibrado fui ao chão. A platéia ria de se acabar enquanto eu me acabava nos cacos de vidro. Sem problemas, ossos do oficio. Sai discretamente enquanto entravam meus tios já encima do mastro principal. Enquanto me dirigia para o lado de fora da arena vi que já acendiam a roda de fogo, onde meus tios teriam de cruzar para, num instante, darem as mãos e se salvarem da queda livre factivelmente provocada pela deusa Gravidade, a mãe de todas as quedas. Sempre que via aquela roda em chamas lembrava-me do cuspidor de fogo que sempre me dizia quando jovem que “a roda de fogo para qual nos atiramos deixa de ser a roda da morte e passa a ser à roda da vida, da vida renovada, no momento em que do outro lado retorna o artista”. Sabias palavras de um homem que passou a vida toda engolindo fogo para ter do que comer e por fim morreu queimado no seu próprio erro. Corda bamba do circo que de um instante para o outro delimita quem vive e quem morre, sempre no último instante, e no silêncio do publico assustado padece a morte real do artista que não encontrará porto seguro para mais uma vez ser ovacionado pelas palmas da platéia.

Todavia deixemos essas vicissitudes de lado, o meu problema era muito maior; talvez não tão grande quanto o do engolidor de fogo, que não tem mais volta, todavia maior no sentido que também não tem solução. E então naquele momento comecei a viver essa história, que lhes escrevo agora e em verdade.

Continua...

Imagem de Marc Ferrez


A vida itinerante - Ensaio Circense

Independente apesar de interligado, igual a vida.

domingo, 19 de abril de 2009

domingo, 12 de abril de 2009

Curtas


Coisas que chegam na ilha:

"- Você me ama?
- Você é meu filho.
- Mas você me ama?
- Mais ou menos...
- Hum...
- E você me ama?
- Daria tudo pra ter metade do talento que você tem...Eu tenho talento?
- Não.
- Nenhum?
- Nenhum.
- Quando foi que você perdeu o interesse em mim?
-...Vamos embora hoje...
- Mas eu não posso ir hoje...
- Você gostou dela, menos mal, pensei que fosse gay..."

(livre adaptação de “xxy”)


Eu, o outro. Norma, a exceção. Simples, o complexo. Toda minoria já sentiu o que é não fazer parte de um grupo. Todo grupo sabe o que é desprezar um outro grupo. A multiplicidade de nossa espécie não está em nosso gênero nem em nossa raça, essa noções existem, mas são extremamente ínfimas perante uma diversidade do que aqui chamarei de cultural. Cultural em um sentido mais abrangente de opinião, onde gostos, tendências, religião, mídia, e etc, tudo se mistura e influi no eu, toda complexidade do outro. Ele não deixa de ser Eu e nem o outro de não ser ele, mas nessa invasão muito do que somos se choca com o que gostaríamos ou não de ser, de forma resumida, com tudo o que não somos. O ser humano é volúvel acima de tudo, e nessa volubilidade adquirimos o dom da escolha, o dom de trilharmos nosso próprio caminho, e visto a grande gama de opções a qual nos impõem o mundo não podemos dizer hoje que escolhas sejam feitas de forma errada ou certa dentro de um padrão moral e social que é tão fragmentado e múltiplo quanto o próprio homem. Mas então por que certas ações ainda tanto nos chocam, será que é porque batem de frente com o que somos e com o que não queremos ser? Será que é quando o outro faz algo do qual não admitimos pra nos é que não conseguimos compreendê-lo? É no limite que se impõem a relação social, a relação humana, no limite do que não sou que vejo o outro se formando.

Imagem da Divulgação do Filme (XXY)

domingo, 5 de abril de 2009

Chuvia chuviscos



“Chuvia chuviscos, e no charco chapinhava o petiz”


Agora eu entendi, e como é bonito. Engraçado pensar que a preguiça em tentar te entender possa ter me privado do sublime prazer. Titularei este escrito como parceria, pois não pretendo criar nada onde não vejo nada que lhe falte, também não posso chamar de filosófico, pois não pretendo pensar ou refletir mais simplesmente expor sentimento. Assim é parceria por ter me despertado algo, da mesma forma que tantas outras coisas que já li. Não que haja por traz da frase ou por traz desse comentário qualquer interesse que não o estético, e ademais posso dizer do espanto estético. Não sou um homem de poucas palavras, não me apego a palavra alguma, porém gosto de telas por perto, entretanto confesso que dessa frase pouco compreendi. A linguagem travava minha apreciação e isso me inquietou, afinal precisamos ou não ter pré-conceitos, pré-informações, para que algo belo nos atinja? Mas também tenho de confessar que algo na frase me penetrou e ai mora minha inquietação, como por traz da frase cujo sentido não compreendi por completo algo possa ter me atingido. Afinal se não compreendo, o que me atinge? Tenho mais perguntas do que respostas, mas isso não torna a questão difícil só faz com que nela fiquemos mais tempo pensando. E esse tempo eu não meço no relógio, mas sim no menino, nesse tempo infinito da velha infância.



Depois de tudo o que eu tenha dito o leitor não venha ter um espanto como o meu, ou a imagem não lhe assole de maneira tão forte, mais o que eu disse, o que me inquietou já deve ter inquietado o leitor em outros momentos em outras leituras.


Imagem de Henri Cartier-Bresson


Gritado Por:


Ailatan Do Contrario - http://contrariandoocontra.blogspot.com/


Adrian Troccoli - http://criticareconstrutiva.blogspot.com/