domingo, 26 de outubro de 2008

Coração Partido


Pequeno, muito pequeno. O homem nunca será grande o suficiente a ponto de não temer a si mesmo.

Vou ficar aqui. Parado. No escuro. Não quero me ver e nem que ninguém me veja. Em silencio posso ouvir as batidas secas do meu coração. Sentado no canto começo a chorar, só que eu não quero. Não quero mais. Grito, minha cara se deforma, o grito ecoa em minha cabeça. Ponho as mãos nela enquanto puxo meus cabelos. Com o rosto molhado, boca aberta, mãos na cabeça, grito, entretanto não sai nenhuma palavra da minha boca, na verdade a única coisa que realmente expresso é um leve ganido que mais se assemelha a um suspiro. Nesse instante sinto como se meu peito fosse explodir e com ele todo o meu corpo. Mas não é isso que acontece. A pressão que sentia no meu corpo na verdade era o meu coração que escalava meu peito para ver o que estava acontecendo do lado de fora.
Ele sai pela minha boca e me olha, como estou em um canto escuro não me vê. Corre esbarrando nos moveis. Procura o interruptor. Sabe que do lado da porta tem um, e sabe também que é muito pequeno pra alcançá-lo. Vai tateando pelo cômodo, que não é muito grande, até achar uma cadeira. Com toda força, ele, tão pequenino, empurra a cadeira até a porta. Coitado, ainda na esperança de me encontrar se estica todo, e com a ponta do dedo com o corpo totalmente esticado se aproxima do interruptor. Entretanto recua ao ouvir o barulho de chave na porta. Tenta descer do banco antes que a porta o derrube. A porta se abre, ele se joga na esperança de se salvar, porém o banco sucede por se fazer cair com peso encima do seu frágil corpo.


Você entra e acende a luz. Avista-me no canto, aos prantos. Preocupada arregala os olhos e me pergunta o que ouve. Eu, com os olhos vermelhos e quase sem lagrimas olho no fundo dos seus e sem dizer nada te dou um tiro na cabeça. Eu ainda te amava e não queria que você sofresse. Eu, eu não, eu vou sofrer por que amo a ti e ao mundo inteiro.

Imagem de Rafael Sanzio

domingo, 19 de outubro de 2008

Telefonema


Sozinho.

Trim...Trim...Trim...

É o mundo que me chama. Não vou atender.

A secretaria-eletrônica liga, Você ligou para o numero 27242020 no momento não posso atendê-lo deixe o seu recado após o bip ou tente mais tarde.

E lá vem o bip.

Mais a voz não prossegue. Parece estar no silencio a espreita de uma resposta, ou quem sabe esteja ainda aproveitando a curta frase onde por poucos segundos fantasiara minha imagem. Travesti da memória, imagem que lembra. Pura imagem, mas com realidade própria. A imagem que lembra travestindo não é a mesma que simplesmente lembra. Diferentemente da segunda a primeira fantasia, cria. Dela surgem cheiros sons materialidade, tão reais quanto a realidade, tão reais que quando você para de lembrar simplesmente parece ter ocorrido, não apenas pra você mais para todos. Na segunda a imagem nos vem simplesmente como uma fotografia, como o numero decorado do celular ou da formula química da prova de amanhã.

Ela não me lembrava, me travestia, me tirava a força da minha ilha sem que de lá eu tenha saído. E de posse da minha imagem me fazia e refazia a seu querer, aos seus desejos. Dez minutos depois um suspiro e o telefone no gancho. A ligação terminara. Mais eu, para ela, já era indiferente naquele relacionamento, ela tinha de mim uma imagem, com cheiros, sons, e materialidade, eu era apenas um problema, eu era apenas uma pedra da qual ela tinha que se livrar. Por que se o leitor acha que travestir a imagem de uma pessoa é algo triste, enganasse. É o que todos fazemos quando pensamos realmente conhecer uma pessoa, ou quando achamos que mais do que ninguém, mais do que ela mesma temos o direito, este de qualquer espécie, sobre aquela pessoa.

Porém, o problema mais serio desse travestimento é a própria pessoa que foi fôrma para a imagem, porque só esta pode frente a sua imagem travestida se despir. A imagem que se despe se torna nada, ela só é em quanto imagem. A pessoa que se despe, muda frente ao outro e isso incomoda profundamente o artesão, que com tanto carinho tinha, por si só, cultivado aquele fantasma.

Sozinho.

Trim...Trim...Trim...

É o mundo que me chama, pela quinta vez.

-Alo...

-...

-Alo...

-Oi...

-O que você quer, por que tanto liga...

-Eu te amo...

-Eu não te amo e nunca te amei, entenda isso e me respeite. Destrua tudo o que construiu sobre mim e refaça seu edifício, se mesmo assim ainda gostar de mim me respeite. É o mínimo que pode fazer, pare de colocar a sua vontade acima da minha e me respeite.

-Tum...Tum...Tum...

No dia seguinte.

Trim...Trim...Trim...

Jamais entenderei as pessoas.


Imagem da Escola do Realismo Socialista

domingo, 12 de outubro de 2008

Vazio


(...)

(...)

Nem tudo que digo falo por palavras.

Cada segundo, cada instante, sempre novo, nunca o mesmo. Me peça coisas plausíveis. Não me insira nos comuns. Sua intensidade me sufoca. Nunca imaginei que gostaria tanto de ser sufocado. Durma comigo uma vez na sua vida. Pois saberá que o que vê durante o dia não muda com as estações. Quando chorar me diga, pois não quero que chores. Si choras por mim, não me desejes mais. O tempo passa. As palavras não fazem mais sentido algum. Não expressão mais o que eu sinto. Me abrace, se sufoque. Se não sabe o que eu sinto é porque nem mais meus atos fazem sentido. Mais isso, isso, isso, i...s...s...o eu não posso aceitar.

Silencio
Olhar
Lagrima
Dor

Ilha minha, só minha. Só nela minhas palavras vão sempre fazer sentido. Pois nela, na minha ilha, só eu é que sinto.

Confia.
Pode confiar naquilo que não vê? Pode confiar no oposto do que sentes? Acho que não. Mais não tenho a resposta definitiva.

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Chegou em casa. Tirou as chaves do bolso. Abriu a porta que rangia. Pegou o telefone e ligou.
Com a roupa que ainda fedia a cigarro sentada na cama não pode entender como confiar tanto em si e duvida daquele que lhe dava sentido. Desligou o telefone. Ninguém lhe atendia. Em casa era pura duvida. Antes, quando ainda na rua, pura certeza. Mais uma vez pegou o telefone. Nada. Três. Quatro. Cinco.

Maria -Alo!
Antonio -Oi, tudo bem.
Maria -Não.
Antonio -Porque?
Maria -Porque você não atendeu.
Antonio -Desculpa eu não havia sentido o celular vibrando.
Maria -Porque você não me atendeu?
Antonio -Porque eu não ouvi o celular tocando.
Maria -Estava preocupada, porque não me atendeu?
Antonio -Simplesmente não tinha visto.
Maria -Estou chateada com você.
Antonio -Eu sei.
Maria -Sabe porque?
Antonio -Sim.
Maria -Porque?
Antonio -Porque me ama.

Em silencio Maria sorriu. Aquilo por alguns segundos respondeu todas as suas duvidas, todas as suas aflições. Afinal ele poderia não ter escutado o telefone, só isso.

Antonio –E tem mais.
Maria –Tem?
Antonio –Eu também te amo.
Maria –Boa noite.
Antonio –Boa noite.

Dormiu tranqüila, serena como a noite enluarada que Antonio via da rua.

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Até quando as palavras vão ser tão vazias? Ou será que vazias são as pessoas que as escutam? Acho que não. Mais não tenho a resposta definitiva.

Vazio.
Cheio.

Imagem de Alma-Tadema, Sir Lawrence

domingo, 5 de outubro de 2008

Desejo


- É bom ver você aqui...

- Eu não preciso de você...

- Mas eu preciso de você...

- Não me importo...

- É isso, só isso? Assim que termina...?

- Sim.

A porta se fecha. Num movimento seco, porém contido, Maria se vira e vai embora. Do outro lado da porta Matheus desaba. Senta e chora. Um choro incontrolável, inexplicável, inexperiente. Duas semanas depois...

- Oi...

- Oi...

(Silêncio)

- Eu preciso de você...

- Não quero saber...

Do outro lado da linha Maria bate o telefone. Com o telefone ainda na mão Matheus desaba. Senta e chora. Um choro incontrolável, inexplicável, entretanto já experiente. Duas semanas depois...

- É bom ver você aqui...

- Eu não preciso de você...

- Mas eu preciso de você...

- Não me importo...

- É isso, só isso? Assim que termina...?

- Sim.

A porta se fecha. Num movimento seco, porém contido, Matheus se vira e vai embora. Do outro lado da porta Maria desaba. Senta e chora. Um choro incontrolável, inexplicável, inexperiente. Duas semanas depois...

- Oi...

- Oi...

(Silêncio)

- Eu preciso de você...

- Não quero saber...

Do outro lado da linha Matheus bate o telefone. Com o telefone ainda na mão Maria desaba. Senta e chora. Um choro incontrolável, inexplicável, entretanto já experiente. Duas semanas depois...

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O desejo incontrolável de se estar com alguém só surge na perda da necessidade desse alguém de estar contigo. Nessa linha amigável apuramos nossos sentidos em busca de desilusões que nos apreendam na falta que o outro faz dentro de nós. O outro, parte de nós, tão seu, na distancia perfeita do não precisar de mim.

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- Saia.

- Porque?

- Porque hoje preciso de você...

- E eu de você...

Fizeram sexo por duas semanas, nunca tão próximos, nunca tão distantes.

Cada gozo um minuto,

de pura intensidade,

de pura necessidade,

de saber que não precisão,

ao mesmo tempo,

um do outro

e mesmo assim se desejam.


Imagem de Balthus