domingo, 19 de outubro de 2008

Telefonema


Sozinho.

Trim...Trim...Trim...

É o mundo que me chama. Não vou atender.

A secretaria-eletrônica liga, Você ligou para o numero 27242020 no momento não posso atendê-lo deixe o seu recado após o bip ou tente mais tarde.

E lá vem o bip.

Mais a voz não prossegue. Parece estar no silencio a espreita de uma resposta, ou quem sabe esteja ainda aproveitando a curta frase onde por poucos segundos fantasiara minha imagem. Travesti da memória, imagem que lembra. Pura imagem, mas com realidade própria. A imagem que lembra travestindo não é a mesma que simplesmente lembra. Diferentemente da segunda a primeira fantasia, cria. Dela surgem cheiros sons materialidade, tão reais quanto a realidade, tão reais que quando você para de lembrar simplesmente parece ter ocorrido, não apenas pra você mais para todos. Na segunda a imagem nos vem simplesmente como uma fotografia, como o numero decorado do celular ou da formula química da prova de amanhã.

Ela não me lembrava, me travestia, me tirava a força da minha ilha sem que de lá eu tenha saído. E de posse da minha imagem me fazia e refazia a seu querer, aos seus desejos. Dez minutos depois um suspiro e o telefone no gancho. A ligação terminara. Mais eu, para ela, já era indiferente naquele relacionamento, ela tinha de mim uma imagem, com cheiros, sons, e materialidade, eu era apenas um problema, eu era apenas uma pedra da qual ela tinha que se livrar. Por que se o leitor acha que travestir a imagem de uma pessoa é algo triste, enganasse. É o que todos fazemos quando pensamos realmente conhecer uma pessoa, ou quando achamos que mais do que ninguém, mais do que ela mesma temos o direito, este de qualquer espécie, sobre aquela pessoa.

Porém, o problema mais serio desse travestimento é a própria pessoa que foi fôrma para a imagem, porque só esta pode frente a sua imagem travestida se despir. A imagem que se despe se torna nada, ela só é em quanto imagem. A pessoa que se despe, muda frente ao outro e isso incomoda profundamente o artesão, que com tanto carinho tinha, por si só, cultivado aquele fantasma.

Sozinho.

Trim...Trim...Trim...

É o mundo que me chama, pela quinta vez.

-Alo...

-...

-Alo...

-Oi...

-O que você quer, por que tanto liga...

-Eu te amo...

-Eu não te amo e nunca te amei, entenda isso e me respeite. Destrua tudo o que construiu sobre mim e refaça seu edifício, se mesmo assim ainda gostar de mim me respeite. É o mínimo que pode fazer, pare de colocar a sua vontade acima da minha e me respeite.

-Tum...Tum...Tum...

No dia seguinte.

Trim...Trim...Trim...

Jamais entenderei as pessoas.


Imagem da Escola do Realismo Socialista

2 comentários:

Vicky disse...

Filosofico quando fala da imagem,trágico quando fala dos distanciamento da relação, esse é o problema da cristalização, da posse...
Adrian, díficil mesmo é tentar, nos seus textos, não vê intenção.
É dificil não coisificar voce, quase impossivél, pelo menos pra mim.Por isso que é interessante, um exercicio vim aqui.

Lola disse...

p entender vc precisa atender o telefone..