domingo, 9 de novembro de 2008

Do Continente até a Ilha


A minha cama se transformará em um barco e meu baú desaparecerá, muitos dias se passaram desde então. Eu havia me livrado de todas as minhas magoas e tristezas, porém também do mundo. Esse rio que me tirou do meu quarto e me levou para esse mar incerto me obrigou a me virar sozinho por muito tempo. Sem qualquer idéia de futuro. Não sabia onde estava e nem onde queria chegar. Simplesmente naveguei. Sabia que tinha de navegar, assim sendo, levantei a ponta do meu colchão, na proa do meu barco, e arranquei a primeira madeira do estrado. Pensei por alguns segundos que isso faria meu barco naufragar, entretanto nada ocorreu. A madeira me deu uma farpa no dedo indicador, não doeu, queria que tivesse doido. Com a madeira em mãos a finquei no próprio colchão e ergui de lá meu mastro.
Tirei o lençol do colchão e prendendo-o pelas pontas fiz uma bandeira. Mas não era uma bandeira o que eu queria, eu não queria ser achado eu queria navegar. Então arrancando mais uma madeira do estrado, a segunda no caso, fiz de minha bandeira uma vela e com ela naveguei. Por dias e noites. A segunda madeira não me deu nenhuma farpa mais a ela eu pedi. Vendo o quanto a desejava ela me concedeu o pedido. Agora os meus dois dedos indicadores tinham uma farpa. Eram pequenas, por isso não incomodavam. Conforme os dias se passaram, não foram muitos, mas não saberia precisá-los, nasceu do dedo indicador direito um cravo e do dedo indicador esquerdo uma rosa. Eu não soube o que fazer com eles ate que eles mesmos me contassem. Pediram que os plantasse na próxima ilha a que eu fosse aportar. Lhes falei que não pretendia aportar em nenhuma ilha, mais na verdade eu simplesmente nunca havia imaginado a possibilidade de vir a encontrar uma. Eles me pediram então para que lhes plantasse na popa do navio. Peguei meus dois travesseiros que lá estavam e fiz de vazo para as flores, de forma a deixar ainda um espaço para que de noite pudesse me recostar.
Realmente as flores estavam certas, e eu logo aportei em uma ilha. Não imaginem que a ilha onde me encontro agora é a primeira que avistei, pois não é. Conheci piratas e baleias, sereias e princesas, até dragões juro ter visto. Vi você e me vi também. Muitos foram bons comigo, de outros não gosto nem de lembrar. Vi o nascimento do dia e da noite, vi homens morrerem e homens nascerem. Conheci José que me acompanhou em parte do caminho. As flores sempre estiveram comigo, mesmo que ás vezes as tivesse distante. Conheci Helena que me roubou o coração. Conheci Josefina que o devolveu. E assim os dias e as noites se sucederam. Minha vela alçada aos céus me levou a muitos lugares, mas foi esta ilha que eu escolhi para mim. E é daqui que conto minha historia. Da qual não vejo qualquer relevância, dela não vejo surgir nobreza nem grandes amores. Vejo muito mais simplicidade, pecado e nostalgia. Si querem saber não vejo razão para que alguém leia o que escrevo. Mais eu escrevo, talvez porque queira lembrar e temo esquecer, talvez porque queira voltar a navegar e temo me perder. Não sei o motivo nem sei se quero sabê-lo. Até lá escrevo e vocês lêem, por que se não lessem não teriam como saber que cá escrevo, e eu não saberia onde é que me perco.

Imagem de Emil Nolde

2 comentários:

Mayara Bandeira disse...

é a partir desse momento que as alucinações pelas as noites mal dormidas, má alimentação, insolação, e as feridas que não mais cicatrizam vão começar? foi assim que você virou um náufrago escritor, sendo assim, perigoso?
ou aí já é outro caso e outra ilha?

Adrian Troccoli disse...

Sou eu o mesmo naufrago com perigo que imponho. A Crítica Reconstrutiva não surge de textos separados e desconexos mais sim de um emaranhado de situações que falam de si e de toda uma vida. A historia é uma, apenas uma, só eu é que mudo.

(...)