domingo, 21 de dezembro de 2008

Na janela – 1/2


Sentado em uma poltrona observo a janela. Numa mão seguro um livro e na outra uma xícara de café com um dedo de whisky. A janela é extremamente feia. Os raios luminosos não atingem diretamente meus olhos, são bloqueados primeiro por um toldo e em seguida por uma grade fechada. Coloco o livro e a xícara, já vazia, em cima do criado mudo e vou até a cozinha pegar a chave da grade. Ela está presa por dois cadeados, cada qual em um lugar distinto, o mais alto me obrigado a pegar uma cadeira. Sua altura me é superior do que a da ponta dos dedos, não me permitindo abri-lo sem auxílio. Consigo remover os dois cadeados e abro a grade. Entretanto me arrependo dessa ação no instante seguinte, já que ela, a grade, faz um barulho assaz incomodo aos meus ouvidos. Todavia sabia que mais faltava para lhe retornar a mesma posição do que para terminar-lhe de abrir. Optei por deixá-la como estava. Aquela vista que eu tanto almejava era inteiramente necessária ao que o meu trabalho me propunha. Ainda teria de esperar por algumas horas até avistar o alvo, até lá tinha de preparar o terreno.

Passei meu corpo pela fresta que lhe havia aberto e tentei ver o céu. Não consegui ver nem o mais distante. Havia me esquecido do toldo que ainda me impedia a visão. Era um toldo vermelho, amarelado pelo tempo nas pontas. De extremo mau gosto, assim como a janela. A corda para levantá-lo estava presa na grade. Eu a desamarrei com toda a calma do mundo, e quando fui puxá-la para que o levantasse fiquei a imaginar como não seria legal se fosse automático, quem sabe pelo som da voz, simplesmente falasse “levante” e ele se levantasse. Mas não era assim, eu tentei, juro que tentei, mas ele não se levantou. Então, sem outra opção, depois de desamarrar a corda, eu a puxei e o toldo nem se mexeu. Com um pé na parede fiz força suficiente para mover o mundo. Dificuldades que temos de passar para simplesmente olhar o céu. Ledo engano. Aqueles que acham que para olharmos o céu temos que, de forma natural, inclinarmos a cabeça em pêndulo para trás, no que devemos formar, mais ou menos, e falo como leigo, um ângulo de uns 60 graus, cabeça-corpo, se enganam. Olhar o céu se faz uma questão muito mais metafísica, e os metafísicos hão de concordar. Deixando a metafísica e voltando a corda, e eu estava puxando-a, com toda a força, até que finalmente o toldo se mexeu. Deve ter mexido uns cinco centímetros, até o factível som que a corda fez. Um estalar que justificava para mim sua recente leveza daquele instante, e demonstrava por causa e efeito seu arrebentar, e com ela eu me vi em queda, rumo certeiro até o chão. A queda deve ter levado mais ou menos dois segundos, mas sendo eu o dono deste conto posso malear o tempo de forma a fazê-lo passar horas em segundos ou segundos em horas.

Assim sendo, a queda demorou é verdade, e enquanto caio observemos a corda. Os fios do interior da corda vão se partindo lentamente até que possamos ver no exterior dela o seu último suspiro de tensão. E o toldo, que como disse, deve ter se mexido uns cinco centímetros se não me engano. São exatamente cinco centímetros, como o havia dito antes percebo agora a olho nu e lento. Muito bem, agora nos concentremos na minha queda, que por hora, ou melhor, por segundo, é a coisa mais importante nesses milésimos que transformei em minutos. Observem meus músculos, todos contraídos, e de um instante a outro, no arrebentar da corda, todos novamente se relaxam. Minha cara que era de esforço agora passa a ser de espanto, a queda me leva em linha retilínea de encontro a uma caixa de papelão. O que será que há nessa caixa? Meu corpo que cai lentamente sobre ela vai amassando o papelão a espera de um material que lhe resista à pele, o que a princípio o é o chão. Entretanto, antes que o chão lhe chegue, minha pele se depara com uma outra caixa que escondida dentro da primeira não me era percebida até então. A caixa de dentro, bem mais dura, toda de metal, acaba por me ferir a pele, contudo nada que a faça rasgar. Vocês conseguirão ver, se prestarem atenção, que a pele em sua elasticidade se interioriza no próprio corpo, mas sem se romper. Com o meu tombamento para a esquerda, ela, a pele, vai novamente expulsando a caixa, que anteriormente tentara feri-la. Nesta luta sairá a pele campeã.

Continua...


Imagem de Gustave Caillebotte

3 comentários:

Mayara Bandeira disse...

"Vocês conseguirão ver, se prestarem atenção, que a pele em sua elasticidade se interioriza no próprio corpo, mas sem se romper."

adoro esse texto... e os detalhes dele também, como eles são passados. ele me faz sentir e eu gosto de sentir...
também gosto da sensação de expectativa para o final que ele dá... e mais ainda quando este acontece.

Natalia Vieira disse...

não li seu texto...mnas vim unica e exclusivamente demonstrar meu descontentamento com a sua intérminavel ausencia...

Tenho saudade.

. . . etc

Lola disse...

A pintura na foto não pressupõe uma janela feia, como a descrição se faz em seguida! (era intencional?)

"O que será que há nessa caixa?" eis a grande questão de minha curiosidade!!