Doppelgänger - Crime
Ele chegou numa manhã de terça-feira, eu cortava o capinzal para que pudéssemos armar a tenda. Era trapezista, chamava-se Philip. O circo não precisava de mais, éramos pequenos e gostávamos assim, mas também era real que meus tios estavam envelhecendo, e no circo só quem pode envelhecer é o palhaço, este tende morrer rindo. E exatamente por isso Charles contratou Philip, meu tio não gostou nada da idéia, e sendo minha tia dez anos mais nova do que meu tio, ele acabou rapidamente, depois de alguns meses, o substituindo. Mas isso não foi o pior, Philip acabou se aproximando muito da minha tia, afinal treinavam juntos quase que o dia inteiro e depois se apresentavam à noite. Eu também me aproximei bastante do nosso novo trapezista, afinal tínhamos quase a mesma idade era natural que isso acontecesse. Nos dias de folga saímos juntos à noite para comemorar a apresentação bem sucedida ou simplesmente por não agüentarmos mais as cercanias do circo. Quando não estávamos treinando ficávamos conversando, seja sobre a noite anterior ou sobre qualquer assunto que se possa imaginar, ele era fantástico, sabia muita coisa do mundo e conversava sobre o que quisesse sem parecer idiota, as garotas o adoravam. Todos no circo o adoravam, ele possuía um poder de sedução extraordinário que a todos encantava, a exceção de meu tio, que cada dia que passava parecia mais carrancudo e infeliz de um jeito que eu jamais imaginei ver.
A beleza do prodigioso trapezista era indiscutível. Não sou homossexual gosto muito da visão do corpo feminino, do cheiro do corpo feminino, mas ele de alguma forma também me seduzia, não saberia explicar. Um dia quando voltávamos bêbados de uma pequena festa de uma cidade do interior rolamos morro a baixo em uma ribanceira que de tão bêbados e de tão escura nem quando terminamos de rolar conseguíamos vê-la direito. Lá embaixo bêbados e doloridos ficamos deitados por uns dez minutos rindo sem parar. Quando conseguimos parar de rir e olhamos para o céu ficamos atônitos com a beleza que as estrelas produziam em nossos espíritos mesmo tão distante de nossas cabeças. Nos beijarmos não passou de conseqüência da beleza do momento somada a ternura encadiada pelo álcool. Todavia as conseqüências foram além daquele dia. No dia seguinte quando nos sentamos em um lugar distante e deserto, para conversar sobre o ocorrido do dia anterior e estabelecermos nossas próprias masculinidades afirmando de forma cristalina nossa heterossexualidade, acabamos por fazer sexo. Era noite de lua cheia, nos enrolamos na tenda que estava desamarrada, pois no dia seguinte partíamos. A escuridão nos protegeu dos olhares alheios. Todos dormiam e as luzes da pequena cidade onde estávamos não chegavam a nos iluminar. Não nos víamos nem a um palmo de distancia. Não nos víamos, apenas nos tocávamos. E tenho de confessar-me a meu heterossexual interior que foi muito bom, e ele há de concordar. A partir daquele dia começamos a namorar em segredo, nos beijávamos escondidos, não por vergonha ou medo do que os outros poderiam pensar, mas por medo e preconceito de nos mesmos que imaginamos que o que sentíamos um pelo outro poderia muito bem acabar de um dia para o outro. E acabou.
Continua...
Imagem de Marc Ferrez
4 comentários:
...acompanhando...
orgulho, eu sinto disso. mesmo sem ter motivo.
...acompanhando [2]...
acho justo registrar...
=*
?
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