segunda-feira, 7 de abril de 2008

Falta de Luz


Hoje faltou luz aqui na rua, porém dessa vez a companhia de energia avisou. É realmente surpreendente. Visto que sempre nos pegam de surpresa, até quando planejam. Entretanto uma coisa era de se esperar, ela não conseguiria cumprir um prazo, isto sempre foi pedir demais. Acabou a luz, liga para empresa; senhor, estaremos concertando o problema dentro de uma hora; é, dentro de uma hora qualquer.

Bem, estas coisas acontecem, mas não é por isso que escrevo. Escrevo para lhes dizer o quanto sou apaixonado pela escuridão. Não falo do escuro parcial, nem do escuro iluminado por estrelas e pela lua. Falo dá total ausência de luz. Aquela na qual, uma vez inserido, você passa a não enxergar, uma cegueira forçada. Instintivamente arregalamos nossos olhos como que para ver se através de orifícios maiores nos é possível à apreensão de luz, entretanto esta não existe. Em um dado momento somos naturalmente levados a piscar, e deste piscar nos vem o espanto, pois ao abrirmos os olhos vemos tanto quanto de olhos fechados, e isso não nos é comum nem nas noites mais sombrias.

Que fique claro, não somos nos que entramos na escuridão, é a escuridão que nos possui. Ela não avisa, você só a percebe quando tenta não vê-la. A sensação de impotência que insurge em nosso peito, faminto de luz, necessitado de imagem; esta angustia claustrofobica de paredes inexistentes que fecham nossos olhos, e aguardam ansiosas pela confirmação de nosso toque, que clamam por nosso reconhecimento para existirem.

Todavia, a beleza da escuridão esta exatamente no oposto do que acabei de revelar. A beleza da escuridão total esta em simplesmente pararmos e escutarmos. Isso mesmo. Não podemos tocar a escuridão, e é exatamente por isso que ao vê-la procuramos desesperadamente algo sólido em que nos agarrar. Um chão, uma base, seja de localização, seja de existência, procuramos provas de que o mundo continua lá onde o deixamos e que não é porque não o vemos que ele deixou de existir.

Daí a escutarmos. Nos e nossos inúteis olhos arregalados. O silencio que é gerado pela escuridão é o silencio da solidão, do verdadeiro encontro do eu com mais ninguém, nem com ele mesmo, na escuridão só existe um. Não vá imaginar, pelo que venho dizendo, que pretendo cegar-me, ou que julgo ser a cegueira algo bom ou ruim. Pois é exatamente por não me ser costumeiro que considero esta forma de não ver tão interessante, “visto” que se cego fosse, provavelmente me apaixonaria pela luz que dá vida aos objetos. O que torna mais maravilhosa ainda esta experiência de não ver é o fato de não controlar nem seu começo e muito menos o seu fim, mesmo sabendo, e isso vem ainda a lhe render um gostinho de quero mais, que a qualquer momento tudo novamente se acenderá. Seja pela boa vontade da empresa de energia ou pela do Sol, esta última, convenhamos, bem mais segura.

Como falei, minha alegria tendia ao fim, mesmo com algumas horas de atraso, a luz retornou. E com ela pude ouvir gritos de alegria, ao que tudo em dica, eles se reencontraram com os seus respectivos eus, enquanto eu, mais uma vez, me perdi do meu.

Imagem de Van Gogh (Potato Eaters)

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