terça-feira, 15 de abril de 2008

Ponto


Você já foi tão bonita. O que aconteceu, me pergunto. E não contente em me perguntar, pergunto aos outros; eles dizem que nada mudou e que sua beleza continua no mesmo lugar, entretanto como não posso ver aquela beleza que vi anos atrás? Aquela que me cegava, me inspirava, me tentava. Será que fui eu que mudei? Será que meu grau aumentou? Talvez meu ideal de beleza tenha mudado, mas sendo ideal, ele pode mudar?
Partiremos do ponto que sei que é real e indiscutível. Sua beleza sumiu. Nem diminuiu, nem mudou, não é uma questão de cansaço ou amadurecimento, não foi se desgastando, ela morreu, findou-se, ponto. Ponto. Ponto que finaliza, que pede o fim, não é a pausa para respirar, nem para dar entonação à frase, é simplesmente para finalizar. Ponto, foi o que eu vi, você virou um ponto. Sei que sua vida continuará, você irá mudar, eu irei mudar, nos iremos nos falar, e talvez até nos reaproximar. Mas esse ponto parece uma mancha, uma marca, talvez não seja tão determinante, nem tão imutável assim, entretanto, se um dia essa mancha sumir, eu continuo a acreditar que mesmo assim; dá mesma forma que quando olhamos diretamente para o Sol e fechamos os olhos continuamos a ver a luz a brilhar em nosso pensamento, acho que quando fechar os olhos, ainda verei o ponto.
Não pense que estou te diminuindo, não pense que deixei de acreditar em você, sei que você será grande, bem sucedida e até quem sabe feliz. Mas não se engane, a grandeza de uma pessoa não é por ela verificada, são os outros que a afirmam, pois ser grande para si mesmo é apenas ser feliz, porém não necessariamente bem sucedido, e ser bem sucedido é apenas ser grande para os outros, também não significa ser feliz. Mas voltando a grandeza não a espere de mim, como disse, esse ponto parece não querer deixar-te, por mais que eu queira não consigo te ver por de traz do ponto.
Engraçado, hoje te vi na rua e você conversava com outro cara. Não sei se o fato dele ser outro ponto, este insignificante em minha vida, a tenha tornado uma reticência, afinal, dois pontos juntos abrem um diálogo, se um terceiro entra, continua-se uma história. Não sei, novamente senti vontade de beijá-la, entretanto para isso teria de me pontuar.
Será que a morte do escritor vale a história de um livro...?
Saí do ônibus e corri ao seu encontro, atravessei a rua, porém não vi a ambulância que cortava os carros, talvez estivesse surdo de paixão, ou quem sabe louco de ciúme. Você nem me notou,/ continuou a andar,/ a cada passo que dava,/ mais uma estória/ que eu tinha a contar./
Ponto.

Imagem de Salvador Dali - Untitled - Set Design (Figures Cut in Three), 1942

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