quarta-feira, 30 de julho de 2008

Terceira Parte – Apresento-lhes os Criminosos


Ensaio Circense- Doppelgänger

A vida itinerante

Terceira Parte – Apresento-lhes os Criminosos

O sol da manhã acariciava levemente a pele do meu rosto. O caminho do morro da “Vitória” até a lona era curto, entretanto o pouco que andei me fizera bem ao estomago que andava as voltas não lá muito satisfeito com a cena anterior do pobre rapaz. Visto de longe o circo parecia abandonado, porém conforme me aproximava percebia cada vez mais nitidamente que todos pareciam já estar de pé, cada um cumprindo a função que lhe cabia. Uma mulher barbada depenava uma galinha carijó, enquanto um enorme homem trazia varias toras de madeira cortadas em pequenos pedaços em cima do ombro esquerdo, pareciam ter a finalidade de alimentar o fogão, que por sinal já expelia uma fumaça revelando seu uso. O circo não possuía animais, a exceção é claro de alguns cachorros vira-latas que seguiam a cheiro bom do café da manhã, a principio já consumado. Já faziam cinco anos que os governantes do país haviam proibido a utilização de animais selvagens nas apresentações dos circos, os trailers onde obviamente ficavam os animais agora serviam para a armazenagem dos equipamentos. Estavam repletos de cordas, roldanas, varas, espadas e coisas do gênero. Conforme ia me aproximando mais atraia os olhares dos artistas, até que um deles me interpelou.
“Bom dia doutor” me disse um homem franzino de mais um metro e cinqüenta do qual eu não fazia a menor idéia da sua função dentro do circo. Respondi-lhe com educação e o perguntei se poderia falar com o representante do circo. “Olha doutor o representante do sindicato fica na capital do país, e quanto aos animais nos já mandamos todos para o zoológico. Até mesmo o Canastra, meu pequeno miquinho.”disse-me isso com um leve alagar de olhos e uma posterior coçada dos mesmos. Respondi-lhe que não vinha tratar desses assuntos, me identificando como policial da região pedi novamente para falar com um representante, mas preferi guardar a informação do assunto que pretendia tratar para quem sabe mais tarde pegar o criminoso de surpresa, se é mesmo possível que este tenha alguma ligação com o circo. O pequeno rapaz me indicou um trailer ao fundo, perto da entrada principal do circo. Era um trailer velho cuja tinta que lhe pintava as paredes externas estava descascando revelando por traz de si uma grossa camada de ferrugem. O nome do circo vinha estampado em vermelho sangue nas quatro partes, “Circo Bom Tempo”, e a porta que dava para o seu interior estava aberta. Bati na porta. Nada. Bati novamente. Nada. Entrei.
A cada passo que dava o piso do lugar gemia, era como se pisasse em um bicho morto que ainda não soubesse de sua morte. No fundo do compartimento havia outra porta, que parecia dar para uma outra saleta, da qual pude ouvir alguns barulhos. Bati palmas para tentar chamar a atenção de quem estivesse lá dentro. Ouvi mais alguns ruídos e finalmente o destrancar da porta. Um homem com o rosto avermelhado e de uma tez dura apesar de sedutora me perguntou quem eu era e o que desejava. Eu após me apresentar lhe revelei o que se tratava. Ele me mandando aguardar entrou novamente na saleta e falando alguma coisa para outra pessoa lá dentro saiu, fechando atrás de si a porta. Pediu que me sentasse. Após lhe mostrar as fotos, e dele reconhecer o rapaz, ele começou a me contar como e quando o rapaz foi admitido no circo, dentre outras histórias, que apesar de interessantes nada acrescentavam ao caso. O nome do rapaz era Philip, e era trapezista do circo fazia seis meses. Quando lhe perguntei se haveria alguém com motivos para matar o rapaz o dono do circo, de nome Charles, após uma breve tossida e uma ligeira olhada ao redor respondeu-me que não. Sabia que ele mentia. Após mais ou menos meia hora de conversa me despedi e pedi-lhe permissão para interrogar mais algumas pessoas, lhe dizendo que esta era apenas uma prática de rotina e que sabia que o assassino deveria de ser algum bandido pé-rapado da cidade. Ele sabia que eu mentia. Sai e entrevistei algumas pessoas.
Em resumo descobri que o rapaz substituiu um outro trapezista mais velho, e que formara dupla com a mulher desse trapezista. Após pagar umas cervejas para um grupo de palhaços, caras maquiados e muito engraçados, que se intitulavam “O grupo”, pude descobrir que esse trapezista mais velho possuía profundos ciúme e até mesmo ódio pelo rapaz. E quando os perguntei se todos sabiam disso, eles me responderam que sim. Então por que Charles me omitira essa informação? A resposta veio logo após a décima garrafa. O antigo trapezista era o irmão mais novo de Charles. A caso que parecia estar se resolvendo começou a se complicar no instante seguinte. Quando fui atrás do meu principal suspeito este havia ido a cidade havia alguns minutos comprar alguns suprimentos, e seu filho se encontrava no trailer. Parecia estar arrumando uma mala de viagem, no que o peguei de surpresa. Após me apresentar perguntei-lhe sobre seu pai e o que fizera na noite anterior. Ele me revelou que seu pai e ele haviam permanecido a noite toda ensaiando seu novo número. O garoto era palhaço do circo desde pequeno, e hoje se encontrava com dezoito anos. Antes que eu me despedisse, e confesso que estava um pouco frustrado com o recente complicar do caso, mostrei ao garoto as fotos do rapaz encontrado morto no morro da “Vitória”. Entretanto sua reação me surpreendeu, ele aos prantos se ajoelhou no chão e se pos a chorar. Após uns dez minutos ele parecendo estar recuperado me contou que os dois eram grandes amigos e que fazia já uma semana que não se encontrava com Philip, quando este lhe disse que iria dar uma pequena volta e não retornou. Quando lhe perguntei o por que dele não ter avisado a policia, ele me disse que Philip estava pensando em largar o circo e que imaginará que finalmente tive coragem em o fazê-lo, coisa que ele ainda não o tivera.
O caso que a principio se parecia com um breve devaneio de um grupo de jovens, mais tarde se tornara um simples crime passional e agora rumava em direção a um complexo assassinato, e eu não fazia a menor idéia de por onde começar.

Fim Capítulo Um

Imagem de Marc Ferrez

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Segunda Parte – Apresento-lhes o Crime


Ensaio Circense- Doppelgänger

A vida itinerante

Segunda Parte – Apresento-lhes o Crime

No dia anterior foi recebido pela polícia um telefonema anônimo relatando o aparecimento de um corpo de homem no morro da “Vitória”. A delegacia se encontrava as moscas, tal como em qualquer cidade pequena onde o policial espera a chamada em casa e não na delegacia de polícia. E era em casa, mais exatamente na minha cama, onde eu me encontrava. A madrugada gélida e o plantão extra da minha namorada, que trabalhava de enfermeira no pronto socorro da cidade, me obrigaram a me agasalhar bem aquela noite. E foi no meio de um lindo sonho de praias paradisíacas e mulheres deslumbrantes que eu fui acordado, “K. precisamos que você verifique um caso nas proximidades da ‘Vitória’”, só pude responder que sim, uma resposta que mais se assemelhava ao um grunhido, entretanto a DP há de entender. Quando me levantei um calafrio me percorreu a nuca até os calcanhares e me obrigou a permanecer um tempo mais aconchegado a minha cama; vencido o frio me arrumei e parti. No caminho me comuniquei com a central e pedi detalhes do ocorrido, nada me contaram que fosse realmente de alguma relevância ao caso. Só sabiam que estudantes, que não quiseram se identificar, disseram estar realizando um piquenique, leia fumando escondido dos pais, e viram um cachorro chafurdando no mato; a persistência do animal levou os jovens a verificarem o local. Lá chegando se depararam com uma mão em carne viva, o que deveria já ser obra do cão, parcialmente exposta da terra, aterrorizados fugiram e ligaram para a polícia. Era isso, uma mão, um cão e eu.

Não sei se vocês têm noção do que é procurar uma mão na escuridão de uma montanha de uma cidadezinha do interior com uma pequena lanterna. Bem, eu descobri. Quando já estava quase desistindo, após cansativos dez minutos de busca, no que deveriam ser quatro e quinze da manhã de sexta-feira, decidi acender um cigarro e me sentar em um tronco de árvore. A chama do meu isqueiro iluminou um pouco a escuridão, todavia o vento que não parava de correr àquela hora não que permitia acender o cigarro. Minha persistência era, entretanto, maior que a força do vento. Estava eu enganado. Após ter tentado acender meu cigarro atrás de quase todas as arvores do pequeno bosque que se situava no cume da montanha, e com o dia quase amanhecendo, estava cansado daquela aparvalhada brincadeira. Decidi voltar pra casa e relatar a central que não havia encontrado mão alguma. Dirigindo-me ao carro vi um pequeno roedor se entocar num buraco que navalhava uma árvore próxima, e com aquele pequeno ser vi novamente minha esperança de fumar um cigarro se acender. Ajoelhei na terra que aquela altura da madrugada estava um pouco umedecida e também em uma pedra que acabou por me ralar o joelho esquerdo. Com a mão parei para conferir a gravidade do arranhão e percebi possuir ela, a pedra, narina e boca. Dei um salto pra trás, no que devo ter me afastado uns dez metros do local, e um pouco assustado com a lanterna na mão regressei lentamente a árvore.

A pequena lanterna iluminava um circulo de pouco efeito na imensidão escura do morro. E no meio da escuridão eu encontrei, finalmente, a mão que apavorara os jovens e um pouco mais a frente o rosto que a pouco me apavorara. Sinalizei o local e andei até o carro para chamar o legista, que a essa hora também deveria estar dormindo. Acendi um sinalizador que se encontrava no banco de traz do carro e o coloquei perto do corpo, tanto para sinalizá-lo como também para lhe afastar os bichos que já lhe comiam a carne. Voltei para o carro e acendi um cigarro, no fim de seu ultimo sinal de vida adormeci. Quando acordei já estava de dia. Silva, o legista, me acordará se desculpando do atraso com um copo de café e me revelando as horas, eram oito. A exumação do corpo demorou uma meia hora, a catalogação dos pertences mais meia hora. Rapaz novo, fisionomia atlética e aparentemente morto a pauladas sem reação, a primeira pancada na nuca o derrubara, as demais o fizeram sangrar até a morte, um crime hediondo de um aspecto ruim de se ver e muito pior pelo fato de ter eu de ir atrás do criminoso. Uma coisa me intrigara acima de tudo. O fato de o rapaz segurar na mão esquerda um par de alianças de prata dentro de uma caixinha preta aveludada, e para um maior espanto meu e do Silva o fato da caixinha não estar suja de sangue. Como um sujeito morre a pancadas, sangrando até o fim sem sujar uma caixa que adormecera em sua mão? Com uma maquina Polaroid tirei algumas fotos do corpo, ou pelo menos das partes ainda factíveis de reconhecimento. Afastando-me um pouco do bosque observei a região e vi que o lugar mais próximo era um pequeno circo de lona remendada que se instalará a um mês na região, a pouco menos de um km do crime. Decidi começar por lá.


Continua...

Imagem de Marc Ferrez

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Primeira Parte – Apresento-lhes o Circo


Ensaio Circense- Doppelgänger

A vida itinerante

Primeira Parte – Apresento-lhes o Circo

Estava anoitecendo na cidadezinha de “Lugar Nenhum”, dentro da lona todos davam as mãos e rezavam para que tudo corresse bem naquela noite de apresentação. Naquele dia, enquanto rezavam não sabiam, e nem teriam como saber a tragédia que se precipitava sobre o circo. Talvez alguma entidade deseja-se avisá-los, pois naquela noite a chuva que caíra não poderia ser explicada nem pelo mais capacitado centro meteorológico. O dia fora bonito, o céu sem nuvens anunciava uma boa noite de apresentação. A necessidade de um dia claro e uma noite sem chuva nomeava o circo, circo Bom Tempo. O nome era mais uma grande ironia do apresentador e também dono de maior parte do circo, de nome Charles, já que a lona, de um vermelho sangue com listras amarelas nos tempos áureos, hoje se encontrava mais para uma peneira do que para uma lona, nem mais os remendos lhe eram possíveis de arrumar. Nas noites de chuva todos dizem que Charles, logo após cancelar as apresentações ficava em seu trailer, abria uma garrafa de uma cachaça bem vagabunda e chorava, chorava copiosamente. Os mais íntimos dizem que chorava por lembrar dos seus tempos áureos, tempos em que as pessoas gostavam de ir ao circo, gostavam da magia do circo, da alegria do palhaço, da ilusão do mágico, das piruetas dos equilibristas e do desafio a gravidade do malabarista. Hoje a tevê parece bastar para apresentar tudo isso.

Charles idealizara o circo já havia dez anos, antes chamara-o de Frissom e agora passou a Bom Tempo. Ele e o irmão venderam todos os bens da antiga família de comerciantes e caíram na estrada. Desde sempre Charles cuidou das finanças e da apresentação dos espetáculos. Já seu irmão, Pietro, que desde cedo havia entrado para escola de circo, era junto com a esposa a dupla de trapezista, e seu filho que na época tinha apenas 7 anos já começava a dar os primeiros passos no picadeiro como o palhaço bolinha. Conforme rodavam o país agregavam cada vez mais artistas, entretanto de uns três anos pra cá o que mais faziam os artistas eram sair do circo em vez de entrarem, nem mais as crianças antes tão animadas, aponto de ate fugirem de casa, iam mais ao circo, sequer para assisti-lo, quanto mais para dele participar. Os demais artistas não eram da família, ou pelo menos, não de sangue, apenas de circo. Todos possuíam uma história de superação, com pitadas de magia e um odor de fantasia. Entretanto não posso contar-lhes a história de cada um desses, nem se as soubesse, essa não é a razão pela qual estou aqui.

Chamo-me K., sou policial e estou investigando um crime ocorrido nas proximidades de onde está instalado o circo. Como disse, a chuva parecia que não iría ceder, mais nesse dia, mesmo com ela, como que em uma homenagem de luto aos recentes acontecimentos o espetáculo prosseguiu. E eu da arquibancada, de metal armado como um quebra cabeça infantil, observava o picadeiro. Nele os suspeitos, que até então não se sabiam como tais, se apresentavam a mim como em uma ópera dramática ao som de Beethoven. Passavam de um lado ao outro, ora suspensos no céu, ora em bocas de feras, ora mascarados de palhaços. As gotas que escorriam da lona até o chão de terra batida onde formavam poças enlameadas, quando caiam a luz dos refletores pareciam flocos de neve esbranquiçados cujo som eu sabia não poder escutar, apenas imaginava, tal como também imaginava quem poderia ter cometido o crime que me trazia aquela noite aquele espetáculo. Um crime tão bárbaro e no dia seguinte se apresentar sorrindo, como me era estranha aquela cena. Fiquei pensando, se eles soubessem que a polícia desconfia de um deles e não de um estranho do qual nunca tenham ouvido falar, será que mesmo assim estariam ali? Sei que o assassino estava ali, não em homenagem mais em comemoração a ilusão de nunca ser pego. Ao menos era o que essa pessoa pensava.

Continua...

Imagem de Marc Ferrez

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Curtas


Mudanças. Pregos e martelos, barulho. A poeira no ar forma uma fina cortina de uma linda fumaça, no chão forma um amontoado de detritos de alvenaria. A cortina esta no chão, a cama na parede e o teto está vazio. Temos de desarrumar para arrumar em outro lugar, vamos mudar. O que tiramos nem sempre consegue voltar, parece que o espaço diminuiu sendo o mesmo espaço. Será que fomos nos quem mudamos ou as coisas? Afinal só elas não se movem para dizer, com certa propriedade, que mudaram de lugar. Nos, seres andantes, não temos qualquer justificativa de dizer que nos mudamos, afinal isso é o que mais fazemos. Andar de um lado para o outro enquanto falamos ao telefone, nossa quanta mudança em apenas cinco minutos de ligação. Na fila do banco mudanças homeopáticas, e a dose quem dá é o caixa. Enquanto dormimos mudamos apenas em pensamento.

Mudança, cada uma diferente em si. Nem as mudanças que voltam a ser o que eram são as mesmas nas mesmas medidas. Armário que folga, porta empenada, pregos e martelos. Pegue a vassoura, pendure a cortina, coloque o colchão, tire o ventilador da mala do carro.

“Vamos, não fique ai parado olhando pela janela” Isso não muda. Nenhum obrigado.

Mas continuamos mudando.

Imagem de Sir Lawrence Alma-Tadema