quarta-feira, 23 de julho de 2008

Segunda Parte – Apresento-lhes o Crime


Ensaio Circense- Doppelgänger

A vida itinerante

Segunda Parte – Apresento-lhes o Crime

No dia anterior foi recebido pela polícia um telefonema anônimo relatando o aparecimento de um corpo de homem no morro da “Vitória”. A delegacia se encontrava as moscas, tal como em qualquer cidade pequena onde o policial espera a chamada em casa e não na delegacia de polícia. E era em casa, mais exatamente na minha cama, onde eu me encontrava. A madrugada gélida e o plantão extra da minha namorada, que trabalhava de enfermeira no pronto socorro da cidade, me obrigaram a me agasalhar bem aquela noite. E foi no meio de um lindo sonho de praias paradisíacas e mulheres deslumbrantes que eu fui acordado, “K. precisamos que você verifique um caso nas proximidades da ‘Vitória’”, só pude responder que sim, uma resposta que mais se assemelhava ao um grunhido, entretanto a DP há de entender. Quando me levantei um calafrio me percorreu a nuca até os calcanhares e me obrigou a permanecer um tempo mais aconchegado a minha cama; vencido o frio me arrumei e parti. No caminho me comuniquei com a central e pedi detalhes do ocorrido, nada me contaram que fosse realmente de alguma relevância ao caso. Só sabiam que estudantes, que não quiseram se identificar, disseram estar realizando um piquenique, leia fumando escondido dos pais, e viram um cachorro chafurdando no mato; a persistência do animal levou os jovens a verificarem o local. Lá chegando se depararam com uma mão em carne viva, o que deveria já ser obra do cão, parcialmente exposta da terra, aterrorizados fugiram e ligaram para a polícia. Era isso, uma mão, um cão e eu.

Não sei se vocês têm noção do que é procurar uma mão na escuridão de uma montanha de uma cidadezinha do interior com uma pequena lanterna. Bem, eu descobri. Quando já estava quase desistindo, após cansativos dez minutos de busca, no que deveriam ser quatro e quinze da manhã de sexta-feira, decidi acender um cigarro e me sentar em um tronco de árvore. A chama do meu isqueiro iluminou um pouco a escuridão, todavia o vento que não parava de correr àquela hora não que permitia acender o cigarro. Minha persistência era, entretanto, maior que a força do vento. Estava eu enganado. Após ter tentado acender meu cigarro atrás de quase todas as arvores do pequeno bosque que se situava no cume da montanha, e com o dia quase amanhecendo, estava cansado daquela aparvalhada brincadeira. Decidi voltar pra casa e relatar a central que não havia encontrado mão alguma. Dirigindo-me ao carro vi um pequeno roedor se entocar num buraco que navalhava uma árvore próxima, e com aquele pequeno ser vi novamente minha esperança de fumar um cigarro se acender. Ajoelhei na terra que aquela altura da madrugada estava um pouco umedecida e também em uma pedra que acabou por me ralar o joelho esquerdo. Com a mão parei para conferir a gravidade do arranhão e percebi possuir ela, a pedra, narina e boca. Dei um salto pra trás, no que devo ter me afastado uns dez metros do local, e um pouco assustado com a lanterna na mão regressei lentamente a árvore.

A pequena lanterna iluminava um circulo de pouco efeito na imensidão escura do morro. E no meio da escuridão eu encontrei, finalmente, a mão que apavorara os jovens e um pouco mais a frente o rosto que a pouco me apavorara. Sinalizei o local e andei até o carro para chamar o legista, que a essa hora também deveria estar dormindo. Acendi um sinalizador que se encontrava no banco de traz do carro e o coloquei perto do corpo, tanto para sinalizá-lo como também para lhe afastar os bichos que já lhe comiam a carne. Voltei para o carro e acendi um cigarro, no fim de seu ultimo sinal de vida adormeci. Quando acordei já estava de dia. Silva, o legista, me acordará se desculpando do atraso com um copo de café e me revelando as horas, eram oito. A exumação do corpo demorou uma meia hora, a catalogação dos pertences mais meia hora. Rapaz novo, fisionomia atlética e aparentemente morto a pauladas sem reação, a primeira pancada na nuca o derrubara, as demais o fizeram sangrar até a morte, um crime hediondo de um aspecto ruim de se ver e muito pior pelo fato de ter eu de ir atrás do criminoso. Uma coisa me intrigara acima de tudo. O fato de o rapaz segurar na mão esquerda um par de alianças de prata dentro de uma caixinha preta aveludada, e para um maior espanto meu e do Silva o fato da caixinha não estar suja de sangue. Como um sujeito morre a pancadas, sangrando até o fim sem sujar uma caixa que adormecera em sua mão? Com uma maquina Polaroid tirei algumas fotos do corpo, ou pelo menos das partes ainda factíveis de reconhecimento. Afastando-me um pouco do bosque observei a região e vi que o lugar mais próximo era um pequeno circo de lona remendada que se instalará a um mês na região, a pouco menos de um km do crime. Decidi começar por lá.


Continua...

Imagem de Marc Ferrez

Um comentário:

Mayara Bandeira disse...

podia aumentar a freqüencia pra quarta, sexta e domingo... bem que podia... éééé... podia.