quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Memórias de uma Mente Assaz - Construção


Estou muito tempo nesta ilha, tempo demais até pro mais sóbrio dos monges budistas. Meu passatempo nunca foi escrever, entretanto foi o que esta ilha me reservou. De uns tempos pra cá tenho tido uma série de alucinações, um misto de noites mal dormidas em adição a meia xícara de má alimentação e uma pitada de insolação, tudo batido em feridas que não mais cicatrizam. Não tenho muito do que reclamar, ao menos não estou mais sozinho, minhas alucinações de aborígines que me fazem perguntas em dialetos estranhos ao menos me servem de passatempo, tal como seria a tevê no continente. Quando aqui cheguei achei o ambiente um tanto mórbido. É verdade que a ilha é bem ensolarada, e que quase não chove, mas as plantas são acinzentadas e os animais taciturnos sendo que quase não os vejo.

Quanto aos aborígines vem de tempos em tempos, com estranhos rituais. Levam-me para o centro da floresta e lá me amarram, pouco antes de me aplicarem seus venenos, sou uma espécie de cobaia para eles. No principio achei que não eram reais, os ignorava, percebia a sua presença mais fingia não a perceber. Afinal eu era apenas um naufrago, e ainda o sou. Só que agora sou um naufrago escritor, e isso me torna perigoso. Nos primeiros dias nem eu nem eles nos comunicávamos, eu ficava em minha cama, perto da janela que dava de frente para uma bananeira. Olhava pra bananeira que me contava coisas e me dizia quem, que comigo embarcara no navio, ainda sobrevivia em alto-mar, sua altura lhe permitia tal visão. Tal como os nativos acabavam vindo de tempos em tempos parar na ilha, mas assim que se postavam a falar-me mais de meia hora eram raptadas pelos aborígines, algumas voltavam, conseguiam escapar aos bárbaros, todavia, a cada vez que retornavam pareciam mais ligadas ao mundo dos primitivos do que ao meu, e logo em seguida desapareciam. Com o tempo foram morrendo em alto-mar, eu não mais as via. Aquelas que costumavam retornar do centro da floresta não mais retornavam, viravam deuses da ilha, representados a mim apenas por imagens. Ou simplesmente eram comidas, literalmente comidas, pelo que a bananeira me explicou ser a falta de tempo da contemporaneidade. Elas não me eram próximas e nem o queria eu que o fossem, mais hoje como me fazem falta, como queria poder revelas, falar-lhes mal de suas vicissitudes. Doce esperança que mais está para uma ilusão do que para a realidade.


Imagem de Paul Gauguin

2 comentários:

Mayara Bandeira disse...

seu blog tá dando cudoce pra postar comentario quando abre o link direito do blog dos outros...
enfim


não gosto do tema de náufragos, não... eu tenho trauma inventado. tenho trauma porque já me fiz de náufraga em pensamento, foi muito ruim... é uma parada que me deixa aflita... nem quero me lembrar da época...
putz.

Vicky disse...

No principio achei que não eram reais, os ignorava, percebia a sua presença mais fingia não a perceber.[seus textos]
''Doce esperança que mais está para uma ilusão do que para a realidade.''

Esse texto é intrigante, eu gosto.Tem mais coisa ae..libera...