domingo, 13 de abril de 2008

Dor nas Costas


Abriu os olhos e não quis se levantar. Suas costas doíam, e a vontade de permanecer naquele instante imóvel lhe pareciam a mais confortável possível. Enrolou mais uma hora na cama. Novamente abriu os olhos. Suas costas ainda doíam, porém sua vontade mudara. O que lhe impelia agora era a simples vontade de fumar um cigarro e tomar um café. Para muitos isso pode parecer pouco, porém para ele, neste instante, era tudo. Não é que o nosso personagem não pensasse no futuro, muito pelo contrario ele pensava ate de mais, se é que isso é possível, visto que o futuro assim como o passado são meras construções do presente e para formá-los e sempre necessário pensá-los.

Mas voltando ao pensar do personagem, não é que ele não pensasse no futuro, mas aquela dor, que agora se tornara minúscula, porém insistente, parecia a seus olhos espreitá-lo, a procura de um deslize seu, um deslize que faria com que ela voltasse a galope, feliz, para as mãos de se amo que não a deseja. A dor para nosso personagem era como uma ancora que o fincava no presente, ele jamais poderia se imaginar no futuro com essa dor. Afinal, por mais que imaginemos coisas ruins para nosso futuro elas serão sempre utópicas ate que realmente se concretizem.

E simplório de mais falarmos da fome sem nunca atermos sentido, nossa fome nada mais é do que o nosso corpo nos pedindo o habitual de energia ingeridos religiosamente ou não, não é fome é ânsia, de chegarmos em casa e comer. Agora a fome de um habitante da catinga em plena seca nordestina é a esperança de, quem sabe, poder vir a comer algum dia. Percebe a diferença? Então, essa era a questão, essa dor já o incomodava tanto, há tanto tempo, que ele simplesmente não conseguia mais projetar seu futuro sem que ela não estivesse presente.

Pelo menos não estaria sozinho, pensou ele, enquanto estiver com minha dor sempre poderei contar com alguma coisa. E dela fez bengala. A mesma dor da qual tanto fugiu agora era sua aliada, e como sempre a tinha por perto passou a não precisar de mais nada. Tinha sua dor, não precisava da dor dos outros, a dor dos outros já não o comovia, pareciam pequenas perto da dele, a dele era superior, e quando não era, fazia-a parecer. Todavia o que ele não sabia e que por suas costas o milagre da vida trabalhava. O corpo não suporta algo que o aflige, diferente homem que se acostuma, se entrega, o corpo luta em silencio. Ele luta em silencio porque cansou de gritar, o homem se habitua porque cansou de lutar.

E na luta solitária e silenciosa o corpo jamais perde, pois a derrota para o corpo é a morte, enquanto houver vida à luta, mesmo que ninguém a perceba.

Abriu os olhos e não quis se levantar. Suas costas doíam, e a vontade de permanecer naquele instante imóvel lhe pareciam a mais confortável possível. Enrolou mais uma hora na cama. Novamente abriu os olhos. Suas costas ainda doíam, porém sua vontade mudara. O que lhe impelia agora era a simples vontade de fumar um cigarro e tomar um café. Ao se levantar percebeu que suas costas não doíam mais, ele não o percebera antes porque não havia tentado se mexer antes, simplesmente sabia que estava lá, não precisava mais senti-la. Imagine qual foi seu espanto quando viu que a bagagem da dor não estava mais lá.

Ela havia esvaziado o guarda-roupa e partido, sem nem ao menos lhe deixar um bilhete, era o mínimo que ela poderia lhe dar, afinal foram anos de convivência, ele já conhecia todas as suas manias, seus trejeitos, sua forma de ver o mundo se baseava na dela, ele dependia dela pra viver. É como se em um mundo sem dor ele parece-se não estar vivo, parecia flutuar, sem esperança, sem futuro, pisava no chão e não sentia mais nada. Tentava se lembrar de quando não queria a dor por perto, mas não conseguia mais. Apegara-se a ela. Então, sentado na cama começou a chorar, o choro que para muitos deveria ser de felicidade era em verdade de medo, de insegurança. Queria viver, mas viver sem dor, não sabia se seria capaz.

Levantou, ainda de pijama, abriu a porta do seu apartamento, e subiu as escadas até o terraço. Não era muito alto, tinha quatro andares no máximo, considerando o térreo. Estava sozinho, nem os pombos estavam lá aquela hora. Foi ate o parapeito, olhou para baixo, a rua, que normalmente é pouco movimentada, a exceção dos dias de feira, estava deserta, e o sentimento de vazio só crescia. O mundo inteiro parecia ter se mudado para outro mundo e o deixado ali, não como dono deste mundo antigo, mas como exilado, como desnecessário. E a dor, sua companheira de uma vida inteira, com quem contava, também o abandonara naquela manhã.

Ele subiu no parapeito, olhou mais uma vez para baixo, só para ter certeza de que estava mesmo só, fechou os olhos, e lentamente pendeu seu corpo para frente. De olhos fechados não sabia se estava preste a cair ou se seu corpo penderia ainda mais pelo vazio. Foi quando sentiu uma puxada nas costas, rapidamente imaginou se não seria a dor que retornara, ao menos para se despedir. Seu corpo pendeu para traz e tocou de forma brusca o chão do terraço. Abriu os olhos e viu uma moça, ela que mais tarde se identificaria como sua vizinha de cima, lhe contou que ao ir jogar o lixo fora notara ele se dirigindo ao terraço, e que estava pálido e com uma aparência bem ruim, ela usou nestes termos para não dizer que seu vizinho estava com cara de suicida, se é que suicida tem cara.

Ela o levou para casa e lá eles conversaram. Ela lhe contou que estava passando por uma situação bem parecida, e enquanto os dois conversavam foram percebendo o nascimento de um novo futuro, uma nova esperança, ele achava a moça divertida, imaginou filhos com ela, uma família, sabe?

Poft, foi o som que fez seu corpo ao bater no térreo de cabeça. Tudo se tornou escuro. Por mais ou menos trinta segundos pode ouvir a voz de uma moça, que, entre lagrimas e gritos, dizia que este corpo era do seu vizinho de baixo. E lá ele ficou, a dor que ele tanto procurava não voltou, a rua estava lotada, era dia de feira, só ele não vira, sua busca chegara a um fim, não posso dizer que foi seu ultimo fim, pois sendo meu, parte de mim, posso vir a precisar dele um dia.

Abri os olhos e não quis me levantar. Minhas costas doíam, e a vontade de permanecer naquele instante imóvel me pareciam a mais confortável possível.

Imagem de Edward Hopper



Ps.:
A reedição desse texto neste novo blog, bem mais organizado, foi em homenagem a uma menina a qual deposito grandes esperanças de que um dia se torne uma grande escritora.

Se, eu não poder publicar seu livro, me permita ao menos publicar um artigo teu.

Beju.

Um comentário:

Natalia Vieira disse...

Se quiser pode publicar até dois artigos!!
rsrsrsrrs
bjon