domingo, 20 de abril de 2008

Sentido Imaginativo


Estava me barbeando, e comecei a imaginar como enxergava mal esse mundo. Peguei me da gilete e cortei-me um olho, bem ao meio, para que por ele não pudesse ver. Imaginava que assim sentiria melhor o mundo, mas isso não se procedeu, continuava a sentir o mundo da mesma forma. Decidi-me então a cortar o outro olho, para saber se assim sentiria melhor o mundo. Nada. Continuei a senti-lo da mesma forma, pensei que talvez a visão não influenciasse tanto assim minha percepção do mundo. Foi então que uma gota de sangue escorreu até minha boca, e ao sentir seu gosto pensei, que talvez, o que realmente influenciava minha percepção do mundo seria meu paladar. Na mesma hora, peguei-me da navalha e arranquei minha língua. Nada mudou. Talvez apenas uma sensação de vazio na boca.
O cheiro do sangue que escorria por meu rosto penetrou em minhas narinas, tive certeza, o olfato era o que contava de mais importante para minha percepção do mundo. No mesmo instante, porém com um pouco de êxito - afinal tenho que confessar, meu nariz é o que considero de mais bonito em mim; mas não o podendo ver de qualquer forma – arranquei-me o nariz. Tudo igual, já estava começando a achar que nesse mato não havia nem sequer uma barata. Até que comecei a escutar o barulho que meu sangue, já empossado entre meus pés, fazia ao pingar de meu corpo. Sim, ai estava à solução, era através, principalmente, da minha audição, que eu percebia o mundo. Com toda à vontade do mundo, e muitas esperanças no coração arranquei-me cada uma das orelhas, com um corte apenas. Sim, sim, não.
Também não era esse sentido, porém não estava triste, pois sabia que só havia me restado apenas um sentido, e entre meus dedos pude literalmente senti-lo. Mas como bom empiricísta que sou, tinha de fazer a minha última experiência, só que esta não era tão simples, afinal não me podia cortar o tato. Assim, estiquei a mão e abria a porta do armário, lembrando-me de onde guardava o que queria, fui diretamente ao lugar. Peguei meu vidro de morfina, que usava somente em momentos de eterna sanidade ou de findáveis loucuras e apliquei-me o frasco inteiro,jamais havia o feito, usava de minha morfina apenas em pequenas doses, porém, dessa vez, usei o frasco inteiro. Sabia que em algum momento eu pararia de sentir tudo, e não mais tendo percepção do mundo poderia afirmar que o tato é realmente o sentido privilegiado, essencial, para qualquer forma de apreensão do mundo.
Sim, sim, não. O mundo continuava o mesmo, nada mudara, eu continuava a imaginá-lo da mesma forma, foi então que me toquei. O mundo não é o que parece ser, e nem é como você o enxerga, prova, cheira, ouve ou simplesmente toca, não, o mundo é o que você imagina que ele seja.
Se me permitem, posso afirmar que o sentido que comanda a percepção é o sentido da imaginação. Morri logo em seguida, pois parei de imaginar, e descobri que estava realmente certo.

Imagem de Hieronymus Bosch

4 comentários:

m. disse...

claro que pode frequentar. se está na rede, é para ser lido. ;)

frequentarei esse aqui, também.

Mayara Bandeira disse...

"O mundo não é o que parece ser, e nem é como você o enxerga, prova, cheira, ouve ou simplesmente toca, não, o mundo é o que você imagina que ele seja."


Seria limitação só conseguir imaginar o mundo, olhando-o, provando-o, cheirando-o, ouvindo-o e tocando-o?
Usar desses sentidos pra criar sua própria visão do mundo...?
Não conseguiria ter uma imaginação independente disso, ou pelo menos penso que não, até porque tenho vício em sentir através dos sentidos usuais... apesar de sempre terminar imaginação. Sendo assim, tenho que concordar com o final, "Se me permitem, posso afirmar que o sentido que comanda a percepção é o sentido da imaginação." ... mas tenho que dizer que meu sentido imaginativo não seria nada sem os outros cinco...

Gostei do texto.

Natalia Vieira disse...

Não se pode mudar o q se sente, nem em relação ao mundo, nem a si...
Independente dos sentidos fisicos ou dos sentidos imaginativos, como disse, é inevitavel sentir...
E mesmo morto se sente o vazio, o nada, e assim ainda se sente.

Depois eu é q sou a escritora...rarara
Lembre-se a reciproca é verdadeira...es meu escritor favorito, depois de fernando pessoa...rsrsrs
bjon

Vicky disse...

Rendi-me ao blogger,e esse texto é belíssimo,um tanto sanguinolento mas bem excitante.