quarta-feira, 28 de maio de 2008

Curtas


Um olhar sempre falará mais que mil palavras. Quem em um olhar não lê um livro, em um livro jamais lerá um olhar. Por mais que eu escreva o que eu queria dizer já foi dito. Só. ¬¬

Imagem de Diogo Carreira

domingo, 25 de maio de 2008

Curtas


Três chipanzés conversavam, sentados em sua jaula, dentro do zoológico, um surdo, um cego e um mudo. O Surdo, que por não ouvir, se dava ao trabalho de prestar uma atenção muito maior nas coisas começou, e aqui faço um adendo; mesmo surdo ele sabia falar, de uma forma meio atabalhoada, é verdade, mas não me convém demonstrar, entretanto vale a pena explicitar pra impor a realidade necessária ao assunto. Direcionando-se ao Mudo o Surdo perguntou a ele se estava por dentro dos últimos acontecimentos do zoológico e aquele acenou que sim com a cabeça. O Surdo continuou dizendo que achava um absurdo o que o Orangotango fez com seu filhote, que do alto de uma árvore o largou sem dó nem piedade, e ainda acusou um mico que passava e nada tinha com aquela situação, em pensar que parte da culpa foi por causa uma macaca, animais concluiu o Surdo. O Mudo então pedindo licença tomou a palavra, e escrevendo disse que o pior de tudo é o fato do Orangotango ter sido transferido para uma jaula melhor, parece que nesse zoológico quanto pior o crime, mais branda é a sentença. Animais, conclui também o Mudo. O Cego que nada havia visto mais que muito havia escutado por fim se pronunciou, com a seguinte pergunta para os outros dois agora então calados: E então caros amigos, de tudo isso o que concluímos? Que nossas leis não funcionam? Que nossos criminosos não são punidos? Ou que nada fazemos para que isso aconteça?

E por fim o Cego concluiu: -Animais que somos.

Não banalizem a morte nem a violência, não banalize a dor alheia e principalmente, não banalize sua própria dor, por favor, pois eu já o fiz.

Imagem de Salvador Dali

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Curtas


Do lado de fora as pessoas ao seu redor se matavam, do lado de dentro ela se matava. Enquanto esperava sua carona para lugares distantes olhava pela janela e via o mundo lá fora. Tão próximo e mesmos assim tão distante do seu, mesmo que para nos isso pareça uma incongruência. Ela ao observar de sua janela não via um tempo mais sim todos, juntos e misturados enquanto pensava si a humanidade realmente possui algum tipo de futuro. Sendo ela vidente de todos os tempos e assim também possuidora do tempo futuro fez o favor de me contar, mas não te aquietes não lhes falarei qual futuro viu ela, se é que viu um futuro para a humanidade. Minha historia é apenas de sua despedida, que foi simples e breve. Era uma tarde quente de março, bati a porta do seu quarto e perguntei-lhe se aceitava um café, ela fez que não com a cabeça e disse-me que estava de saída, me pediu que lhe amarrasse o lenço e enquanto eu o fazia ouviu-se três batidas na janela. Ela se levantou, abriu a janela e depois de apresentar-me seu colega montou em seu peixe voador e partiu. Não me falou quando voltava e nem pra onde ia, o nome do seu colega o tempo me tirou da memória, mais aquele peixe eu jamais esquecerei. Como queria hoje pedir-lhe que me levasse com ela, mas ela a muito se foi.

Imagem de Hieronymus Bosch

Ps.: A sim! O nome do cavaleiro de peixe, se é que posso chamá-lo assim, era Imaginação.

domingo, 18 de maio de 2008

Desculpe-me


Acho que estou morto. Deitado na minha cama olho tudo de cima, você anda de um lado pro outro. Parece preocupada com alguma coisa, sai do quarto por alguns minutos, tento te seguir mais não consigo, parece que tenho que permanecer perto do meu próprio corpo, eu que nunca havia me afastado tanto dele ate então. Você voltou, me olhou por um instante e deitou-se novamente ao meu lado. Como gosto de me deitar ao seu lado, sentir seu corpo no meu, olhar-te enquanto dorme. Mas você não voltou a dormir, se aproximou e me falou algo ao pé do ouvido, eu tentei te responder, mais não estava ali naquele momento. Você então começou a chorar e me bater tentando fazer de tudo pra que eu me mexesse, mais o que você não percebia era que eu não estava mais ali, que eu mudara, que aquela casca já não me cabia mais, eu a rompi e sai. Você saltou da cama e pegou o telefone, eu berrava o seu nome mais você não me ouvia. Sentada num canto ligou pra alguém, uns quinze minutos depois dois homens chegaram e levaram meu corpo, eu no chão ao seu lado tentei ficar, mais eles me levaram também ao carregarem minha antiga casca, ao que parecia eu ainda não esta totalmente livre dela. Os dias foram passando e eu finalmente consegui me livrar, mas quando te procurei você nem olhava pra mim, parecia distante.

Os meses foram passando e você voltou pra casa. Quando você chegou eu não estava, mas assim que soube que você havia voltado larguei o que estava fazendo e fui com lagrimas nos olhos e um sorriso na cara novamente te ver, na esperança que você já pudesse me perceber. Quando cheguei você estava no mesmo canto que estava quando me levaram e eu ao te ver me aproximei e me sente do seu lado. Do seu lado te pedi desculpas, lhe disse que você não merecia nada disso do que estava passando e que com toda certeza a culpa era também minha, você esboçou um sorriso ainda olhando para frente e eu continuei. Disse que te amava e que esses dias só havia pensado em você, mas também lhe disse que eu não te pertencia e que de forma alguma você poderia tentar me controlar, que eu gostava sim, amava sim, que por mim eu e você seriamos até o fim de nossas vidas, entretanto também disse que eu seria muitos, seria vários, não me prenderia a afetos que me prendesse mais sim a afetos que me libertassem, que me fizessem alçar vôo e que me levassem para lugares muitos e distantes.

Você que naquele dia quando soube que eu não estava só a dormir contigo pegou-se de minha gravata predileta e enquanto eu dormia me sufocou até que eu não mais respirasse, você que enquanto andava de um lado pro outro do quarto se lembrava que quando comecei a dormir contigo dormia também com outras e você e elas sabiam, você que enquanto tomava banho lembrava que sempre que eu lhe dava lhe dava meu melhor e nunca havia pedido lhe nada alem de você como se apresentava e não como eu poderia querer que se apresentasse, você que ao se deitar do meu lado esqueceu-se de que me enforcou, lembrou-se de que me ama e de que estaria sempre ao meu lado e assim, aos prantos tentou me acordar. Você novamente começou a chorar, eu me levantei, com as dificuldades que o sufocamento me deixaram, abria a porta do quarto e saí, entretanto, antes, lhe deixei um bilhete encima da cômoda que ficava do seu lado da cama. “Não se preocupe, se precisar estou no sofá.”.

O que seve pra um

não serve pra todos,

sou muitos

em tão pouco.

Entre as mentiras

de mim mesmo,

e as verdades

do mundo lá fora

sigo a historia

de vários eus.

O tempo corre mais rápido

do que deveria,

e atrás dele

seguimos a trilha.


Imagem de Van Gogh

Gritado Por:

Ailatan Do Contrario - http://contrariandoocontra.blogspot.com/

Adrian Troccoli - http://criticareconstrutiva.blogspot.com/

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Curtas


Deitado na cama abria e fechava os olhos, a estante que eu sabia se encontrar na minha frente não era vista por meu olho ou então não era repassada pro meu cérebro, só você me aparecia, eu só tinha você pela frente. Não sei se o fato de acabar de acordar influenciou-me de alguma forma, e se ter sonhado com você fez com que agora, estando acordado, o sonho continuasse, não sei, mais que eu te via era inegável. Ouvi o barulho de chave na porta e uma mulher que te chamava pelo nome, você pareceu não pensar duas vezes, me deu um último carinho e se foi. Voltei a dormir pra ver se ao menos em sonho te reencontraria.

Imagem de Gustave Courbet

domingo, 11 de maio de 2008

Na Estação - 3/3


Terceira Parte – A trama se revela.

E ele dizia a mulher recém chegada, aos berros, “o que faz aqui sua vagabunda” e a mulher não conseguia lhe dizer nada, pois sua voz, que já parecia ser baixa, era cortada pelos soluços constantes que seu choro lhe provocava. Foi então que meu irmão se virou pra sua esposa e lhe gritou que esta que aqui está foi apenas um deslize, uma idiotice e que isso não se repetiria, que esta aquém ele olhava era uma bruxa, uma vagabunda, mas que nos feitiços dela ele não iría cair novamente. A mulher chorava copiosamente e cada vez mais, já minha cunhada continuava sentada de cabeça baixa e meu irmão em pé a gritar. Meu irmão estava totalmente alterado, eu estava no meu sétimo cigarro e o relógio no seu segundo quarto de hora. Foi então que, ao aproximar da mulher que chegara, meu irmão conferiu-lhe um tapa bem no meio da cara. A mulher caiu deitada no chão ainda chorando e colocando as duas mãos no rosto, meu irmão olhava para a mulher no chão e não parava de xingá-la, minha cunhada então rapidamente pegou-se do revolver e deu dois tiros nas costas do meu irmão, que caiu provavelmente morto. O vigia que até então fingia não estar ouvindo a gritaria saiu rapidamente de sua cabine, com seu cassetete em punho, e se apercebendo da cena rapidamente retornou, no que deve ter ido ligar para a polícia ou apenas se esconder.

A mulher que ainda estava no chão ao ver o corpo do meu irmão inerte e a formar uma possa de sangue se arrastou pra perto dele e com ele entre os braços fez o que parecia ser impossível, chorou ainda mais. Minha cunhada de pé diante dessa cena delicadamente pegou o revolver e apontando para dentro da sua boca disparou, caindo de joelhos e logo em seguida para trás. O vigia escutando um novo tiro acendeu a totalidade das luzes da estação o que me permitiu ver a tragédia que se passava no local. As poças de sangue se misturaram formando uma só que escorria pelo ralo mais próximo que se encontrava bem ao lado do que seriam os miolos da minha cunhada. Meu irmão nos braços da mulher parecia feliz, a mulher estava de costas para mim, mas ela não me era estranha.

No que não me adiantava mais, sai do meu esconderijo, agora revelado, e andei lentamente por cima do sangue, eu ainda descalço, sentia o calor que emanava daqueles corpos recém inutilizáveis. Chegando perto da minha cunhada peguei-lhe a arma das mãos e acariciei-lhe a testa, o que me fez deixar escapar uma lagrima que ao cair no chão fez um movimento de onda naquele enorme lago de sangue. Estava no meu décimo cigarro e o relógio marcava três e quarenta e sete, e foi nessa hora exata que comecei a ouvir as primeiras sirenes dos carros policiais que se aproximavam. A chuva retornara, mais forte ainda, e minha calça manchada de sangue começava a me incomodar. Foi então que me sentei no banco para levantar-lhe a bainha, no que devo ter feito alguma espécie de barulho, pois a mulher que segurava meu irmão olhou para traz. Eu que nessa altura já havia a reconhecido lhe sorri, dei minha ultima tragada em meu décimo cigarro, deixei-o cair pelo canto da boca para que se apagasse na poça de sangue, ato que sempre faz um barulho que eu geralmente adoro, mais que dessa vez foi abafado pelos três tiros que dei na cabeça da mulher. Mulher essa que além de ter estragado o casamento do meu irmão, estragou ao mesmo tempo o meu, já que era ela minha mulher, prima de minha paixão, amante de meu irmão.

O relógio marcava quase quatro horas, peguei minha mala, calcei meu sapato, o trem já se aproximava podia, ouvir o barulho que fazia nos trilhos. Desci da plataforma e ouvi os policias dizendo para que ficasse parado, eu calma mente lhes respondi que tinha de pegar um trem. Nos trilhos peguei minha cueca, abri minha mala e a coloquei lá dentro. Puxei do meu décimo primeiro cigarro, que coincidentemente era também o meu último, e o acendi. O fumava depressa para que a fina garoa que agora fazia não o apagasse. Coloquei minha mala entre as pernas e estiquei os meus braços, e também os meus dedos pra baixo e fiquei sentindo a água que corria por todo meu corpo, no que ouvi o barulho cada vez mais forte do trem e a luz que crescia diante de mim. Ele começara a frear, e eu abri os olhos, virei para o lado e vi um policial que parecia querer me dizer algo. Eu surdo pelo barulho do trem acenei para ele com a cabeça e lhe sorri, acho que ele não entendeu o que eu quis dizer, pois botou as mãos na cabeça, foi ai que eu não vi, nem ouvi, nem senti mais nada. O trem atrasara um minuto, o relógio já marcava quatro e um.


Fim.


Imagem de Hans Baldung

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Na Estação - 2/3


Segunda Parte – Mais dois personagens surgem.

Nesse instante a chuva começa dar uma trégua. A mulher pega o revolver e com ele virado pra si guarda-o na bolsa. Sem tirar-lhe a mão puxa de um maço de cigarros e acende um. Lentamente levanta-se e vai até a plataforma. Olhando pra cima parece procurar por estrelas ou ao menos a lua, entretanto o céu encoberto impede a precipitação dos astros, só lhe sobrando minha cueca, que ela quando se voltar para os trilhos irá perceber. E assim foi, porém sua reação me surpreendeu, assim que ela viu minha roupa de baixo, novamente se voltou aos prantos. Eu ainda não havia me percebido de suas vestimentas, portava ela de um comprido vestido verde que lhe revelava apenas os tornozelos e os pés, uns dos mais lindos que eu já vi, vestidos de duas sandálias pretas com salto alto agulha.

Terminou de fumar seu cigarro e voltou a sentar-se. Eu que perdi a oportunidade de sair de meu esconderijo para apreciar seu belo corpo me fiz o juramento que não tornaria a perder outra oportunidade. Mas algo começava a se revelar diante dos meus olhos e dizia que eu não conseguiria fazer-me cumprir deste juramento. Ela cruzou as pernas e lentamente começou a tirar as fitas que prendiam seus pés às sandálias. Tenho que me confessar ao caro leitor que começava a ficar vergonhosamente excitado. Ela terminou de tirar as sandálias, e olhando para os lados começou a descer as alças do seu vestido no que deixou esse escorregar pela sua pele até a cintura. Do meu canto escuro me sentia bastante nervoso e escondendo o fogo acendi um cigarro, e naquele beco agora podia se ver uma ponta vermelha que às vezes se inflamava. Não pensem que estava eu assistindo aquilo de forma tranqüila e animada, pelo contrario tremia da cabeça aos pés e me sentia cada vez mais atraído por aquela mulher.

Ela se levantou segurando o vestido, e levantou também, suave mente, os joelhos para poder tirar-lhe sem o sujar. Coisas de mulher que, num momento desses, pensa como que de forma automática se sua roupa esta amassando ou sujando. Todavia, antes mesmo que ela passasse a primeira perna ouviu-se um barulho na entrada da estação, ela rapidamente, e de forma uma tanto atabalhoada, se vestiu e novamente se sentou no que já começava a amarrar as sandálias. Era um homem, um tanto mais baixo que eu e um pouco mais alto que ela, parecia nervoso, e também parecia conhecê-la. O relógio já marcava três horas e eu já estava no meu quarto cigarro de dentro do meu canto escuro. Assim que o homem a viu ficou andando de um lado pro outro apressadamente atrás de suas costas. Até que se sentou ao lado dela e começou a falar. Eu estava longe e a plataforma estava escura, o que dificultava a minha audição ou uma deplorável tentativa de leitura labial. Entretanto pude reconhecer o homem, era meu irmão, e assim pude também reconhecer a mulher, minha cunhada. Eu em meu nervosismo e em minha miopia só agora a reconhecera.

Eu e minha cunhada há tempos que nos conhecíamos, e até chegamos a nos amar, porém seu pai não era muito chegado em minha pessoa, que nunca teve o que ele considera com sendo um bom emprego, preferindo meu irmão, coronel da marinha com o qual fez questão de casar a filha me restando apenas a prima, com quem ele me casou sem muito grado, entretanto em sua cabeça melhor a sobrinha do que a filha a se casar com um escritor. Meu irmão não parava de falar e ela apenas o ouvia de cabeça baixa. O relógio marcava três e quinze, e é nessa a hora que surge a terceira personagem. Uma mulher que, estando mais distante ainda de mim, eu mal pude definir-lhe os traços. Era mais baixa do que minha cunhada e tinha os cabelos negros como a noite mais escura. Ao menos agora eu os escutava já que meu irmão começara a gritar.

Continua...Terceira Parte – A trama se revela.

Imagem de Hans Baldung

domingo, 4 de maio de 2008

Na Estação - 1/3


Primeira Parte – A loira ligeiramente bonita.


Estou parado na estação de trem. O último saiu as onze e o próximo só no dia seguinte. Não tenho para onde ir e por isso espero na estação. Briguei com quem gostava de mim, e não pude me apoiar em quem não gostava, não tinha ninguém para quem ligar e ninguém parecia querer ligar para mim. Em resumo estava eu sozinho na beira da plataforma olhando para o trilho até onde me alcançasse à vista, nenhum sinal de qualquer movimento. Até o trem resolveu me abandonar. Ou será que fui eu quem primeiro o perdeu. Não posso não dizer que estava triste, mais não era esse, até então, o pior dia da minha vida. O relógio da estação marcava meia noite e quarenta e sete e cinqüenta e sete segundos; cinqüenta e oito; cinqüenta e nove; cinqüen...Começou a chover. Eu que ainda me encontrava na beira da plataforma sentia em meu rosto a chuva que caia ainda tímida. Não tive a menor vontade de me mexer, como estava fiquei, sozinho naquela plataforma escura, apenas eu e a chuva. Estiquei os meus braços, e também os meus dedos, pra baixo e ali fiquei sentindo a água que corria por todo meu corpo. De repente senti que estava chorando, e já chorava ha muito tempo, entretanto apenas agora notara. As lagrimas, que se misturavam com a água da chuva, transpassavam meu corpo como que para lavá-lo, como que para purificá-lo. Olhei para os lados, ouvi o vigia que roncava dentro de sua cabine, de mais tudo estava deserto.

Comecei então a tirar a roupa, tirei até que não restasse nada, estando totalmente nu quando desci da plataforma. Com os pés na terra me sentia inexplicavelmente calmo e o ferro do trilho gelado me arrepiava a nuca, a chuva que já era mais intensa nesse instante me acariciava os cabelos. Ouvi alguém se aproximar, pequei das minhas coisas e fui pro canto mais escuro que pude encontrar. Era uma mulher, loira, ligeiramente bonita e aparentemente abatida. Ela se sentou. Eu que começava a me vestir fiquei esperava uma brecha para que pudesse sair daquele lugar escuro e fingir que acabara de chegar sem que ela percebesse. O relógio da estação marcava duas e treze, e algo me deixava intrigado com aquela situação, e não era o fato de estar completamente nu, mas sim o de que uma mulher com aquela aparência, tão bem asseada, fazia àquela hora na estação. Eu não sei, mas ali do escuro olhando para ela surgiu em mim algo que verdadeiramente me atraiu, algo que há muito tempo não sentia. Logo que pensei nisso ela começou a chorar.

Ela chorava de uma forma linda, com uma mão no peito e outra nos olhos, soluçando. A mão nos olhos parecia impedi-la de se ver afinal mais ninguém estava na estação, pelo menos que ela soubesse e o vigia ainda dormia. Foi então que ela pegou a bolsa e de lá tirou um trinta e oito, lentamente e ainda soluçando pegou também uma caixa de munição. Estranhamente beijava cada bala antes de colocar no revolver, a mim pareceu que beijava a boca da morte, uma boca que deve ser fria e dura, ao menos dessa forma vejo a morte. Eu, que ainda colocava as calças, não fazia a menor idéia de como reagir àquela cena. Entretanto ela me excitava de uma forma que eu não compreendo e por isso jamais saberia explicar. Meu corpo estava todo arrepiado, minhas pernas tremiam e minha boca ressecara. Talvez pelo o fato de que eu estava completamente encharcado, ou simplesmente por aquela mulher de uma aparência tão frágil, ter se tornado de um instante para o outro tão forte aos meus olhos.

Ela terminara de carregar a arma, fechara o tambor e meio sem jeito pos a arma presa entre as pernas. Pernas, que molhadas pela chuva seguravam aquele cano frio da morte e estavam me deixando louco para que lhe tirasse a roupa e lambê-se por inteira. O relógio já marcava duas e meia da manhã, eu nesse instante terminava de por a blusa, e o leitor pode estar se perguntando por que me demorei mais de dez minutos para me vestir, e eu em minha defesa posso dizer-lhe que foi um misto de não querer fazer qualquer tipo de ruído, o fato de minha roupa estar molhada e de ter diante de mim uma mulher desequilibrada com um trinta e oito na mão. Parece-me motivo mais do que suficiente para que eu tenha me demorado tanto tempo. E se não o demorei mais foi por que esqueci minha cueca entre os trilhos do trem.

Continua ... Segunda Parte – Mais dois personagens surgem.

Imagem de Hans Baldung