Ensaio Circense- Doppelgänger
A vida itinerante
Terceira Parte – Apresento-lhes os Criminosos
O sol da manhã acariciava levemente a pele do meu rosto. O caminho do morro da “Vitória” até a lona era curto, entretanto o pouco que andei me fizera bem ao estomago que andava as voltas não lá muito satisfeito com a cena anterior do pobre rapaz. Visto de longe o circo parecia abandonado, porém conforme me aproximava percebia cada vez mais nitidamente que todos pareciam já estar de pé, cada um cumprindo a função que lhe cabia. Uma mulher barbada depenava uma galinha carijó, enquanto um enorme homem trazia varias toras de madeira cortadas em pequenos pedaços em cima do ombro esquerdo, pareciam ter a finalidade de alimentar o fogão, que por sinal já expelia uma fumaça revelando seu uso. O circo não possuía animais, a exceção é claro de alguns cachorros vira-latas que seguiam a cheiro bom do café da manhã, a principio já consumado. Já faziam cinco anos que os governantes do país haviam proibido a utilização de animais selvagens nas apresentações dos circos, os trailers onde obviamente ficavam os animais agora serviam para a armazenagem dos equipamentos. Estavam repletos de cordas, roldanas, varas, espadas e coisas do gênero. Conforme ia me aproximando mais atraia os olhares dos artistas, até que um deles me interpelou.
“Bom dia doutor” me disse um homem franzino de mais um metro e cinqüenta do qual eu não fazia a menor idéia da sua função dentro do circo. Respondi-lhe com educação e o perguntei se poderia falar com o representante do circo. “Olha doutor o representante do sindicato fica na capital do país, e quanto aos animais nos já mandamos todos para o zoológico. Até mesmo o Canastra, meu pequeno miquinho.”disse-me isso com um leve alagar de olhos e uma posterior coçada dos mesmos. Respondi-lhe que não vinha tratar desses assuntos, me identificando como policial da região pedi novamente para falar com um representante, mas preferi guardar a informação do assunto que pretendia tratar para quem sabe mais tarde pegar o criminoso de surpresa, se é mesmo possível que este tenha alguma ligação com o circo. O pequeno rapaz me indicou um trailer ao fundo, perto da entrada principal do circo. Era um trailer velho cuja tinta que lhe pintava as paredes externas estava descascando revelando por traz de si uma grossa camada de ferrugem. O nome do circo vinha estampado em vermelho sangue nas quatro partes, “Circo Bom Tempo”, e a porta que dava para o seu interior estava aberta. Bati na porta. Nada. Bati novamente. Nada. Entrei.
A cada passo que dava o piso do lugar gemia, era como se pisasse em um bicho morto que ainda não soubesse de sua morte. No fundo do compartimento havia outra porta, que parecia dar para uma outra saleta, da qual pude ouvir alguns barulhos. Bati palmas para tentar chamar a atenção de quem estivesse lá dentro. Ouvi mais alguns ruídos e finalmente o destrancar da porta. Um homem com o rosto avermelhado e de uma tez dura apesar de sedutora me perguntou quem eu era e o que desejava. Eu após me apresentar lhe revelei o que se tratava. Ele me mandando aguardar entrou novamente na saleta e falando alguma coisa para outra pessoa lá dentro saiu, fechando atrás de si a porta. Pediu que me sentasse. Após lhe mostrar as fotos, e dele reconhecer o rapaz, ele começou a me contar como e quando o rapaz foi admitido no circo, dentre outras histórias, que apesar de interessantes nada acrescentavam ao caso. O nome do rapaz era Philip, e era trapezista do circo fazia seis meses. Quando lhe perguntei se haveria alguém com motivos para matar o rapaz o dono do circo, de nome Charles, após uma breve tossida e uma ligeira olhada ao redor respondeu-me que não. Sabia que ele mentia. Após mais ou menos meia hora de conversa me despedi e pedi-lhe permissão para interrogar mais algumas pessoas, lhe dizendo que esta era apenas uma prática de rotina e que sabia que o assassino deveria de ser algum bandido pé-rapado da cidade. Ele sabia que eu mentia. Sai e entrevistei algumas pessoas.
Em resumo descobri que o rapaz substituiu um outro trapezista mais velho, e que formara dupla com a mulher desse trapezista. Após pagar umas cervejas para um grupo de palhaços, caras maquiados e muito engraçados, que se intitulavam “O grupo”, pude descobrir que esse trapezista mais velho possuía profundos ciúme e até mesmo ódio pelo rapaz. E quando os perguntei se todos sabiam disso, eles me responderam que sim. Então por que Charles me omitira essa informação? A resposta veio logo após a décima garrafa. O antigo trapezista era o irmão mais novo de Charles. A caso que parecia estar se resolvendo começou a se complicar no instante seguinte. Quando fui atrás do meu principal suspeito este havia ido a cidade havia alguns minutos comprar alguns suprimentos, e seu filho se encontrava no trailer. Parecia estar arrumando uma mala de viagem, no que o peguei de surpresa. Após me apresentar perguntei-lhe sobre seu pai e o que fizera na noite anterior. Ele me revelou que seu pai e ele haviam permanecido a noite toda ensaiando seu novo número. O garoto era palhaço do circo desde pequeno, e hoje se encontrava com dezoito anos. Antes que eu me despedisse, e confesso que estava um pouco frustrado com o recente complicar do caso, mostrei ao garoto as fotos do rapaz encontrado morto no morro da “Vitória”. Entretanto sua reação me surpreendeu, ele aos prantos se ajoelhou no chão e se pos a chorar. Após uns dez minutos ele parecendo estar recuperado me contou que os dois eram grandes amigos e que fazia já uma semana que não se encontrava com Philip, quando este lhe disse que iria dar uma pequena volta e não retornou. Quando lhe perguntei o por que dele não ter avisado a policia, ele me disse que Philip estava pensando em largar o circo e que imaginará que finalmente tive coragem em o fazê-lo, coisa que ele ainda não o tivera.
O caso que a principio se parecia com um breve devaneio de um grupo de jovens, mais tarde se tornara um simples crime passional e agora rumava em direção a um complexo assassinato, e eu não fazia a menor idéia de por onde começar.
Fim Capítulo Um
Imagem de Marc Ferrez
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