domingo, 28 de setembro de 2008

Direito a Existência

Levantou-se. Com os olhos ainda marejados andou até o banheiro. Jogou um pouco de água no rosto; se olhou no espelho. Sua cara ainda amassada da tarde bem dormida que levara refletia na imagem que via diante de si. Ajeitou-se, escovou sua mandíbula, colocou suas lentes de contacto. Não se considerava feio, mais sabia que naquele quarteirão existiam muitos outros bem mais atraentes que ele. De qualquer forma essa noite arrumaria uma parceira. Já estava na hora de apresentar alguém a família. Fazia oito meses que não se aproximava de uma fêmea, e isso era quase uma vida para ele. Não tinha tempo a perder. Os mais jovens da região se reuniriam hoje numa espécie de praça de alimentação, ele, que como eu disse não era feio; via nessa reunião a grande chance de falar com Vânia. Sua vizinha, que nas horas vagas era a paixão da sua vida.
Depois de uma hora se arrumando, totalmente preparado, lembrou-se que não havia passado no banco no dia anterior. Sabia que isso significava pedir dinheiro pros seus pais, o que significava aborrecimento, o que significava que preferia ficar em casa. Entretanto, ao se sentar na cama e abrir a carteira, viu a foto de Vânia, o que fez com que ele, novamente afoito, se penalizasse perante seus pais e fosse lhes pedir o dinheiro. Como previu, se aborreceu. Porém, olhou novamente para a foto dentro da carteira e novamente se empolgou em sair. A noite já se arrefecia, no chão a lua brilhava cheia, de cima do céu por entre a janela. Ele nunca passara pela porta. Sempre vivera dentro da casa, entre paredes.
Nunca falara a ninguém, mais seu grande sonho sempre foi tocar o chão de terra batida, por entre a grama úmida, depois do sereno da noite, ao amanhecer. Que idiota era ele com seus tolos sonhos. Em pensar que um dia aquele que nasceu pra viver no lixo vai subir a majestade. Que idiota era ele com seus tolos sonhos. Seu pensamento foi subitamente interrompido por um grito. Passado o espanto reconheceu Max que o chamava já havia algum tempo. Se despediu de seus pais e saiu. Tinha uma grande noite de conquistas pela frente. Ele até pensou, quem sabe, se seu sonhos não fossem tão solitários talvez não fossem tão tolos. Quem saberia o que Vânia pensava deles. Abriu um sorriso no rosto ao pensar na hipótese de que Vânia poderia acompanhá-lo em seus devaneios. E quando interpelado por Max do porque sorria este mesmo lhe respondeu, “Vânia”. Um pouco encabulado concordou com a cabeça. Foram andando até o ponto de encontro, que não era muito longe de onde moravam.


No caminho, o pior aconteceu. De um momento a outro, a escuridão virou luz, o silencio grito, a felicidade desespero, a lentidão correria. A luz se acendera, uma mulher gritava enquanto corria para o armário em busca de alguma coisa. Ele e mais três amigos, contando Max, não sabiam o que fazer, não sabiam o que gritava a mulher. Simplesmente pararam. A mulher diminuiu os gritos há chegada de um homem que rapidamente desapareceu, retornando em seguida com um chinelo na mão. Eles, ainda parados, sabiam o que estava prestes a acontecer. Mas não sabiam o porque. Estavam parados, quase fora da vista daqueles dois, mais eles pareciam não poder deixá-los. Aqueles dois em pé, por sua vez os perseguiam, como monstros que não merecem, ou não possuem, o valor da existência.


Minha narração poderia continuar em Max que morreria dali a duas horas, vale ressaltar que são duas horas de pura agonia, provocada por uma grande dose de veneno no corpo. Entretanto prefiro me encerrar com ele, que de um golpe teve todo seu corpo esmagado. Erguido, com uma total alienação quanto a nobreza de sua existência, relacionado a um asco que escorria pelo chinelo foi lentamente esfregado nas bordas da lata de lixo sem o menor pudor, sem a menor cerimônia. Quanto a dignidade que seus sonhos lhe patenteavam aquele ser que lhe privara da vida parecia ignorá-los.


E para que vocês não se esqueçam que ele realmente existiu digo-lhes seu nome. Morreu hoje, Adrian Troccoli, uma barata também.


Que idiota era ele com seus tolos sonhos.

Imagem de Caravaggio

5 comentários:

Vicky disse...

Bem, começo a parabenizar pela história, muitissimo interessante.Demorei pra entender, achei um monte de coisas, que não era barata, e etc.
Eu tenho fobia a barata, acho que por isso essa não vira clássico.[pra mim]
Eu gosto de contos mais longos, com contexto, onde possa se visualizar, entender e refletir, os curtas são interessantes sim, mas não da pra viver só deles.E voto por postagens mais frequentes durante a semana,ou vou ter que apelar para outras pessoas pedirem neh.
Enfim...eu gostei, espero estar sendo coerente no meu comentario.Qlqr duvida, mande email.

Vicky disse...

A ideía de Direito a existencia, é fantastico, essa percepção de achar que os outros seres podem morrer, e que o ser humano é superior.É super válido, qual a necessidade de matar uma barata, um mosquito neh?Eles tem direito a vida, incomodam sim, são insetos diferentes da nossa natureza mas são vida.
E agora, sobre a carne que você come?Sobre o delicioso bife que você come, esse não tem direito a vida?Esses não tem direito a existência?Então manter um bicho vivo, alimenta lo, esperar ele engordar , para matar é valido?
Os insetos não podem morrer, mas os mamiferos sim?
Vamos ser coerentes nas nossas ideologias?
Ou não, é só mais uma escolha?
Enfim,exijo resposa e direito de resposta(um minuto).
Abram se as inscrições.

Vicky disse...

se vc não responder meus comentarios, irei entrar em greve, e manterei-me em silencio até as minhas reivindicações serem aceitas ou negociadas.



[msg oficial.]

Natalia Vieira disse...

Tirando a falta de pontuação...rarara (só p ser um pouco critica como os outros comentários...rsrs).
Ótimo mocinho!
Sou muito suspeita p falar, mas adoro seus escritos da forma e maneira fantástica como associas coisas desassociadas.
pobre do max, merrera tão jovem...rs
fiquei confusa tbm, e acho q essa era a ideia, gostei muito do corte p chegar a conclusão...muito muito bom....

Mas há algo q me inquieta...adrian não pode morrer, nem como barata, nem com nada...se ele morrer, morrer-lo-ei com ele...
Além do mais sonhos não seriam sonhos se não fossem tolos.

bjo amigo, saudade

Mayara Bandeira disse...

eu apenas ri quando cheguei ao final...