domingo, 11 de maio de 2008

Na Estação - 3/3


Terceira Parte – A trama se revela.

E ele dizia a mulher recém chegada, aos berros, “o que faz aqui sua vagabunda” e a mulher não conseguia lhe dizer nada, pois sua voz, que já parecia ser baixa, era cortada pelos soluços constantes que seu choro lhe provocava. Foi então que meu irmão se virou pra sua esposa e lhe gritou que esta que aqui está foi apenas um deslize, uma idiotice e que isso não se repetiria, que esta aquém ele olhava era uma bruxa, uma vagabunda, mas que nos feitiços dela ele não iría cair novamente. A mulher chorava copiosamente e cada vez mais, já minha cunhada continuava sentada de cabeça baixa e meu irmão em pé a gritar. Meu irmão estava totalmente alterado, eu estava no meu sétimo cigarro e o relógio no seu segundo quarto de hora. Foi então que, ao aproximar da mulher que chegara, meu irmão conferiu-lhe um tapa bem no meio da cara. A mulher caiu deitada no chão ainda chorando e colocando as duas mãos no rosto, meu irmão olhava para a mulher no chão e não parava de xingá-la, minha cunhada então rapidamente pegou-se do revolver e deu dois tiros nas costas do meu irmão, que caiu provavelmente morto. O vigia que até então fingia não estar ouvindo a gritaria saiu rapidamente de sua cabine, com seu cassetete em punho, e se apercebendo da cena rapidamente retornou, no que deve ter ido ligar para a polícia ou apenas se esconder.

A mulher que ainda estava no chão ao ver o corpo do meu irmão inerte e a formar uma possa de sangue se arrastou pra perto dele e com ele entre os braços fez o que parecia ser impossível, chorou ainda mais. Minha cunhada de pé diante dessa cena delicadamente pegou o revolver e apontando para dentro da sua boca disparou, caindo de joelhos e logo em seguida para trás. O vigia escutando um novo tiro acendeu a totalidade das luzes da estação o que me permitiu ver a tragédia que se passava no local. As poças de sangue se misturaram formando uma só que escorria pelo ralo mais próximo que se encontrava bem ao lado do que seriam os miolos da minha cunhada. Meu irmão nos braços da mulher parecia feliz, a mulher estava de costas para mim, mas ela não me era estranha.

No que não me adiantava mais, sai do meu esconderijo, agora revelado, e andei lentamente por cima do sangue, eu ainda descalço, sentia o calor que emanava daqueles corpos recém inutilizáveis. Chegando perto da minha cunhada peguei-lhe a arma das mãos e acariciei-lhe a testa, o que me fez deixar escapar uma lagrima que ao cair no chão fez um movimento de onda naquele enorme lago de sangue. Estava no meu décimo cigarro e o relógio marcava três e quarenta e sete, e foi nessa hora exata que comecei a ouvir as primeiras sirenes dos carros policiais que se aproximavam. A chuva retornara, mais forte ainda, e minha calça manchada de sangue começava a me incomodar. Foi então que me sentei no banco para levantar-lhe a bainha, no que devo ter feito alguma espécie de barulho, pois a mulher que segurava meu irmão olhou para traz. Eu que nessa altura já havia a reconhecido lhe sorri, dei minha ultima tragada em meu décimo cigarro, deixei-o cair pelo canto da boca para que se apagasse na poça de sangue, ato que sempre faz um barulho que eu geralmente adoro, mais que dessa vez foi abafado pelos três tiros que dei na cabeça da mulher. Mulher essa que além de ter estragado o casamento do meu irmão, estragou ao mesmo tempo o meu, já que era ela minha mulher, prima de minha paixão, amante de meu irmão.

O relógio marcava quase quatro horas, peguei minha mala, calcei meu sapato, o trem já se aproximava podia, ouvir o barulho que fazia nos trilhos. Desci da plataforma e ouvi os policias dizendo para que ficasse parado, eu calma mente lhes respondi que tinha de pegar um trem. Nos trilhos peguei minha cueca, abri minha mala e a coloquei lá dentro. Puxei do meu décimo primeiro cigarro, que coincidentemente era também o meu último, e o acendi. O fumava depressa para que a fina garoa que agora fazia não o apagasse. Coloquei minha mala entre as pernas e estiquei os meus braços, e também os meus dedos pra baixo e fiquei sentindo a água que corria por todo meu corpo, no que ouvi o barulho cada vez mais forte do trem e a luz que crescia diante de mim. Ele começara a frear, e eu abri os olhos, virei para o lado e vi um policial que parecia querer me dizer algo. Eu surdo pelo barulho do trem acenei para ele com a cabeça e lhe sorri, acho que ele não entendeu o que eu quis dizer, pois botou as mãos na cabeça, foi ai que eu não vi, nem ouvi, nem senti mais nada. O trem atrasara um minuto, o relógio já marcava quatro e um.


Fim.


Imagem de Hans Baldung

2 comentários:

Vicky disse...

Potente e inesperado!
=D

Natalia Vieira disse...

Uma vez me disseram para nunca tentar interpretar coisas q não existem em textos, musicas ou coisas do tipo.

Então não vou pesar todos os sentimentos tortuosos dessa noite na estação...Apenas vou dizer q foi uma noite transgressora!

Gostei muito do texto, depois faço os comentários detalhistas p vc...
Adorei o uso da entropia como fator principal...(pode ser q nem tenha pensado nisso!rsrs)

bjo

Ps. adorei isso "corpos recém inutilizáveis" vou usar no meu livro!!rsrsrs