domingo, 4 de maio de 2008

Na Estação - 1/3


Primeira Parte – A loira ligeiramente bonita.


Estou parado na estação de trem. O último saiu as onze e o próximo só no dia seguinte. Não tenho para onde ir e por isso espero na estação. Briguei com quem gostava de mim, e não pude me apoiar em quem não gostava, não tinha ninguém para quem ligar e ninguém parecia querer ligar para mim. Em resumo estava eu sozinho na beira da plataforma olhando para o trilho até onde me alcançasse à vista, nenhum sinal de qualquer movimento. Até o trem resolveu me abandonar. Ou será que fui eu quem primeiro o perdeu. Não posso não dizer que estava triste, mais não era esse, até então, o pior dia da minha vida. O relógio da estação marcava meia noite e quarenta e sete e cinqüenta e sete segundos; cinqüenta e oito; cinqüenta e nove; cinqüen...Começou a chover. Eu que ainda me encontrava na beira da plataforma sentia em meu rosto a chuva que caia ainda tímida. Não tive a menor vontade de me mexer, como estava fiquei, sozinho naquela plataforma escura, apenas eu e a chuva. Estiquei os meus braços, e também os meus dedos, pra baixo e ali fiquei sentindo a água que corria por todo meu corpo. De repente senti que estava chorando, e já chorava ha muito tempo, entretanto apenas agora notara. As lagrimas, que se misturavam com a água da chuva, transpassavam meu corpo como que para lavá-lo, como que para purificá-lo. Olhei para os lados, ouvi o vigia que roncava dentro de sua cabine, de mais tudo estava deserto.

Comecei então a tirar a roupa, tirei até que não restasse nada, estando totalmente nu quando desci da plataforma. Com os pés na terra me sentia inexplicavelmente calmo e o ferro do trilho gelado me arrepiava a nuca, a chuva que já era mais intensa nesse instante me acariciava os cabelos. Ouvi alguém se aproximar, pequei das minhas coisas e fui pro canto mais escuro que pude encontrar. Era uma mulher, loira, ligeiramente bonita e aparentemente abatida. Ela se sentou. Eu que começava a me vestir fiquei esperava uma brecha para que pudesse sair daquele lugar escuro e fingir que acabara de chegar sem que ela percebesse. O relógio da estação marcava duas e treze, e algo me deixava intrigado com aquela situação, e não era o fato de estar completamente nu, mas sim o de que uma mulher com aquela aparência, tão bem asseada, fazia àquela hora na estação. Eu não sei, mas ali do escuro olhando para ela surgiu em mim algo que verdadeiramente me atraiu, algo que há muito tempo não sentia. Logo que pensei nisso ela começou a chorar.

Ela chorava de uma forma linda, com uma mão no peito e outra nos olhos, soluçando. A mão nos olhos parecia impedi-la de se ver afinal mais ninguém estava na estação, pelo menos que ela soubesse e o vigia ainda dormia. Foi então que ela pegou a bolsa e de lá tirou um trinta e oito, lentamente e ainda soluçando pegou também uma caixa de munição. Estranhamente beijava cada bala antes de colocar no revolver, a mim pareceu que beijava a boca da morte, uma boca que deve ser fria e dura, ao menos dessa forma vejo a morte. Eu, que ainda colocava as calças, não fazia a menor idéia de como reagir àquela cena. Entretanto ela me excitava de uma forma que eu não compreendo e por isso jamais saberia explicar. Meu corpo estava todo arrepiado, minhas pernas tremiam e minha boca ressecara. Talvez pelo o fato de que eu estava completamente encharcado, ou simplesmente por aquela mulher de uma aparência tão frágil, ter se tornado de um instante para o outro tão forte aos meus olhos.

Ela terminara de carregar a arma, fechara o tambor e meio sem jeito pos a arma presa entre as pernas. Pernas, que molhadas pela chuva seguravam aquele cano frio da morte e estavam me deixando louco para que lhe tirasse a roupa e lambê-se por inteira. O relógio já marcava duas e meia da manhã, eu nesse instante terminava de por a blusa, e o leitor pode estar se perguntando por que me demorei mais de dez minutos para me vestir, e eu em minha defesa posso dizer-lhe que foi um misto de não querer fazer qualquer tipo de ruído, o fato de minha roupa estar molhada e de ter diante de mim uma mulher desequilibrada com um trinta e oito na mão. Parece-me motivo mais do que suficiente para que eu tenha me demorado tanto tempo. E se não o demorei mais foi por que esqueci minha cueca entre os trilhos do trem.

Continua ... Segunda Parte – Mais dois personagens surgem.

Imagem de Hans Baldung

4 comentários:

Mayara Bandeira disse...

gosto da sensação de ser acariciada pela natureza, pela chuva, pelo vento, o sol... é confortante... enfim.

que ler mais sobre a história! essas coisas de continuação me deixam aflita!

Natalia Vieira disse...

Enquanto seu personagem se esgeira pela chuva para não ser visto, o observo anciosamente p descobrir o desenrrolar desa noite tão misteriosa!!

Muito bom mocinho!!rsrs
bjo

Vicky disse...

Tipo de texto que me causou aflição,ansiedade,sabor de vamos logo com isso quero ver o final.rs.A descrição,os detalhes e a chuva,causando a sensação de sairmos molhados da frente do computador,como se tivessimos presentes lá.Deliciosamente envolvente,misterioso.Puro luxo.Pode ser cliche,mas continue,não para,não para não!
beijo grande!

Orofino disse...

mais mais mais !